Arcadismo
 

- Basílio da Gama -

"Serás lido, Uraguai. Cubra os meus olhos
Embora um dia a escura noite eterna.
Tu vive e goza a luz serena e pura."
(Basílio da Gama).

  José Basílio da Gama nasceu em 8 de abril de 1741, na cidade de São José do Rio das Mortes, atual Tiradentes, Minas Gerais. Estudou no RJ, no Colégio dos Jesuítas, e era noviço quando foi expulso, em 1759. Foi para Roma, onde ingessou na Arcádia Romana, com o pseudônimo de "Termindo Sipílio". Preso em Lisboa, no ano de 1768, sob a acusação de fanatismo, é condenado ao degredo em Angola, do qual livra-se ao escrever um poema nupicial (epitalâmio) à filha do Marques de Pombal. Falece em Lisboa, a 31 de julho de 1795.
  Publicou seu poema épico "O Uraguai", em 1769, nele tem dois objetivos: criticar os jesuítas e defender a política pombalina (torna-se secretário de Pombal). No poema, acusa os jesuítas de combaterem a escravidão indígena com um objetivo, o de se tornarem os únicos senhores dos mesmos.

  O tema histórico do poema é a luta empreendida pelos portugueses, auxiliados pelos espanhóis, contra os índios dos Sete Povos das Missões, instigados pelos jesuítas (a culpa caberia aos jesuítas e não aos índios). Apesar de apresentar uma característica pouco comum aos épicos, o tema contemporâneo ao autor, Basílio da Gama conseguiu criar uma obra interessante, cujo principal mérito está na quebra da estrutura camoniana. Soube fugir dos lugares comuns do bucolismo vigente, apesar de exaltar a natureza e o "bom-selvagem".
  Apresenta algumas inovações, como os versos decassílabos brancos, não apresentando divisão em estrofes e constando de apenas cinco cantos. Respeita a divisão tradicional (proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo), embora quebre a estrutura ao iniciar o poema pela narração.
  Os personagens do poema são: Gomes Freire de Andrada (herói português); Balda (vilão, um jesuíta caracterizado); e os indígenas: Lindóia, Cacambo (marido de Lindóia), Sepé, Tatu-Guaçu, Caitutu e Tanajura (a vidente).

"..........Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo coa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte!"

(Trecho de "O Uraguai", de Basílio da Gama)