Romantismo
 

- Martins Pena -

  Luís Carlos Martins Pena, nasceu no Rio de Janeiro, em 1815, e tornou-se o primeiro autor popular do teatro brasileiro.
  Inaugurou um gênero, a comédia de costumes, criando tipos e situações com uma sutil sátira social e um realismo ingênuo. Sem apresentar nenhuma influência (embora alguns críticos citem Molière), suas comédias são encenadas até hoje com sucesso, devido a sua atualidade.
  Seu profundo poder de observação possibilitou a criação de tipos irônicos, engraçados, caricatos, mas encontrados em quaisquer ruas do Rio de Janeiro. São moças casadoiras e velhas solteirinas, jovens elegantes e velhos abusados, o contrabandista de escravos e os espertos estrangeiros, dentre muitos outros tipos comuns a peças desse gênero.
  Faleceu em Lisboa, no ano de 1848.

  CENA VII

Felício e Gainer

Felício - Estou admirado! Excelente idéia! Bela e admirável máquina!
Gainer, contente - Admirável, sim.
Felício - Deve dar muito interesse.
Gainer - Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais de cuzinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias.
Felício - Então a máquina supre todos estes ofícios?
Gainer - Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, mandar vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já feita.
Felício - Mas explique-me bem isto.
Gainer - Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef, em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas ...
Felício, com muita seriedade - Envernizadas?
Gainer - Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes e cabo de faca; das ossas sai marcas ...
Felício, no mesmo - Boa ocasião para aproveitar os ossos para o seu açúcar.
Gainer - Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas.
Felício - Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar a máquina?
Gainer - Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por cento dá a mim para acabar a maquine, que trabalha depois por nossa conta.
Felício, à parte - Assim era eu tolo ... (Para Gainer:) Não sabe quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar, quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco! Ah! Gainer, à parte - Destes tolas eu quero muito.
Felício - Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao senhor, que é o homem o mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil, especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais.
Gainer - A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a atrevido que me dá esta nome?
Felício - É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem que o senhor está rico com espertezas!
Gainer - Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com minhas projetos pra bem do Brasil.
Felício, à parte - O bem do brasileiro é o estribilho destes malandros ... (Para Gainer:) Pois não é isto que dizem. Muitos crêem que o senhor tem um grosso capital no Banco de Londres; e além disto, chamam-lhe de velhaco.
Gainer, desesperado - Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma bala nas miolos deste patifa. Quem é estes que me chama de velhaca?
Felício - Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o Negreiro assim disse.
Gainer - Negreira disse? Oh, que patifa de meia-cara ... Vai ensina ele ... Ele me paga. Goddam!
Felício - Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito ...
Gainer - Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu mata ele. Oh, que patifa de meia-cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart que este patifa é meia-cara; pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca! Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai desesperado.).

(Trecho da peça "Os dous ou O inglês maquinista" de Martins Pena).