CENA
VII
Felício e
Gainer
Felício -
Estou admirado! Excelente idéia! Bela e admirável máquina!
Gainer, contente - Admirável, sim.
Felício - Deve dar muito interesse.
Gainer - Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver
acabada, não precisa mais de cuzinheiro, de sapateira e de outras muitas
ofícias.
Felício - Então a máquina supre todos estes ofícios?
Gainer - Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, mandar
vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai
por outra banda da maquine tudo já feita.
Felício - Mas explique-me bem isto.
Gainer - Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef,
em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas ...
Felício, com muita seriedade - Envernizadas?
Gainer - Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes
e cabo de faca; das ossas sai marcas ...
Felício, no mesmo - Boa ocasião para aproveitar os ossos para o
seu açúcar.
Gainer - Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas.
Felício - Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer
trabalhar a máquina?
Gainer - Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer
uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por
cento dá a mim para acabar a maquine, que trabalha depois por nossa conta.
Felício, à parte - Assim era eu tolo ... (Para Gainer:) Não sabe
quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar,
quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco!
Ah! Gainer, à parte - Destes tolas eu quero muito.
Felício - Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao senhor,
que é o homem o mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil,
especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais.
Gainer - A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a atrevido
que me dá esta nome?
Felício - É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem que o
senhor está rico com espertezas!
Gainer - Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com minhas
projetos pra bem do Brasil.
Felício, à parte - O bem do brasileiro é o estribilho destes malandros
... (Para Gainer:) Pois não é isto que dizem. Muitos crêem que o senhor
tem um grosso capital no Banco de Londres; e além disto, chamam-lhe de
velhaco.
Gainer, desesperado - Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma bala
nas miolos deste patifa. Quem é estes que me chama de velhaca?
Felício - Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o Negreiro
assim disse.
Gainer - Negreira disse? Oh, que patifa de meia-cara ... Vai ensina
ele ... Ele me paga. Goddam!
Felício - Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito ...
Gainer - Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu mata
ele. Oh, que patifa de meia-cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart
que este patifa é meia-cara; pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca!
Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai desesperado.).
(Trecho da
peça "Os dous ou O inglês maquinista" de Martins Pena).
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