Simbolismo
 

- Cruz e Sousa -

"Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco."
(Cruz e Sousa).

  Joaõ da Cruz e Sousa nasceu a 21 de novembro de 1861, em Deserto, atual Florianópolis, Santa Catarina. Filho de escravos, nasceu sob as mesmas condições dos pais, isto é, escravo. Sua família foi alforriada no início da Guerra do Paraguai, por seu dono, o marechal Guilherme Xavier de Sousa. O antigo senhor e sua esposa cuidam do menino João da Cruz, dando-lhe o sobrenome Sousa e garantindo-lhe uma educação refinada (estudou no Liceu Provincial Catarinense; foi discípulo do alemão Fritz Müller, homem de fama mundial, com o qual aprendeu Matemática e Ciências Naturais; aprendeu também francês, latim e grego).

  Em 1882 dirigiu o jornal abolicionista "Tribuna Popular"; no ano seguinte teve que abandonar sua terra natal devido a problemas de preconceito racial. Neste período percorre quase todas as províncias brasileiras, trabalhando como ponto e secretário da companhia teatral Julieta dos Santos. Volta para Santa Catarina, é nomeado promotor público em Laguna, mas não chega a assumir o cargo, por preconceito de cor. Transfere-se para o Rio de Janeiro onde ingressa na vida literária, juntando-se ao grupo simbolista que escrevia no jornal "Folha Popular".
  Como intelectual negro do fim do século XIX, incomodou bastante a sociedade da época e, apesar de todo seu preparo, o melhor salário que conseguiu foi o de um miserável emprego na Estrada de Ferro Central do Brasil.
  Em 1893 casa-se com Gavita Rosa Gonçalves, também negra; o casal teve quatro filhos, todos prematuramente falecidos (o de vida mais longa morreu aos dezessete anos). Gavita enlouquece e permanece internada durante longo tempo. Morrem a mãe e o pai do poeta. Em 1897, tuberculoso e pobre, procura refúgio na cidade mineira de Sítio, vindo falecer em 19 de março de 1898. Seu corpo foi transladado de Minas Gerais para o Rio de Janeiro fora do esquife, num vagão de animais.
  Foi a figura mais importante do Simbolismo brasileiro, embora só tenha um volume de poesias publicado em vida, "Broquéis", os outros dois volumes são póstumos. Isso caracteriza uma carreira muito rápida e que poderia ser melhor trabalhada, apesar de o poeta ser considerado um dos maiores nomes do Simbolismo universal.
  Sua obra apresenta uma evolução importante, uma vez que abandona o subjetivismo e a angústia iniciais para posições mais universalizantes (inicialmente fala da dor e do sofrimento do homem negro - em evidente colocação pessoal - mas evolui para osofrimento e angústia do ser humano).
  Está sempre presente a sublimação, a anulação da matéria para a liberação da espiritualidade, só conseguida na sua totalidade pela morte. Também nota-se o uso das maiúsculas para valorizar as idéias e uma angústia sexual profunda.
  O poeta ainda manifesta outras características como: a obsessão pela cor branca e por tudo aquilo que sugere brancura, alvura; a linguagem, com seus símbolos e jogos de vogais, não se assemelha à de nenhuma outra estética; e a musicalidade, as freqüentes aliterações, são outr marca da poesia daquele que já foi chamado de "Cisne Negro" ou mesmo de "Dante Negro".

Antífona

"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...

Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolência de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen deouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas

Cristais diluídos de clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte..."

(Cruz e Sousa).