O primeiro Grande Conselho do Mundo
Postado Sexta-feira, Abril 20, 2007 as 7:09 PM pelo B:.Pr:. Guiseppe 33
Os Primórdios
Os Altos Graus --- acima do de Mestre --- suma característica do Rito Escocês Antigo e Aceito, começaram a surgir no século XVIII, em função de três acontecimentos principais:
1. Discurso de Ramsey
André Michel de Ramsey (1), escocês de Ayr, plebeu com fumaças de aristocracia, aportou na França, depois de alijado da Maçonaria de sua pátria, por insistir em criar graus cavalheirescos. Na França, satisfez a sua ânsia de nobreza, ao ser recebido como cavaleiro da Ordem de São Lázaro (Chévalier de Saint Lazare). E tão agradecido ficou que produziu, em 1737, um discurso, onde pretendia aristocratizar a Maçonaria, ligando-a aos nobres das Cruzadas, o que é pura lenda. Ele foi proibido de pronunciar o discurso, por ordem do cardeal Fleury (André Hercule de Fleury), ministro de Luis XV e dono do poder da época, na França, como ocorreu com outros cardeais (Richelieu, Mazzarino) ; mas o texto acabou sendo publicado no ano seguinte e influenciaria as tentativas posteriores de criação de Altos Graus.
Para alguns autores, o discurso foi, como tendência a uma profunda reforma institucional na Maçonaria, o ponto de partida para a adoção do sistema dos Altos Graus, além de ser uma verdadeira carta e um código geral de pensamento. Outros discordam, não lhe reconhecendo nenhuma influência importante e não vendo, nele, mais do que um apelo a lendas, uma paixão pelos títulos nobiliárquicos e uma pretensa origem dos franco-maçons nos cruzados.
2. Criação do Capítulo de Clermont
O Capítulo de Clermont foi criado em Paris, em 1754, com o nome de Colégio dos Jesuítas, onde ele foi instalado, local que já havia sido residência do pretendente ao trono inglês, Carlos Eduardo Stuart, filho de Jaime III. Dizendo-se uma Obediência maçônica, o Capítulo propunha-se a praticar os Altos Graus e não manter vínculos com a Grande Loja (da França), repudiando-a por suas atividades políticas. Este Capítulo teve uma existência bastante efêmera --- muitos autores nem mesmo o citam --- mas, como o discurso de Ramsey, acabaria rendendo frutos, através das idéias que propagou, para que surgissem, posteriormente, os Altos Graus.
3. O Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente
Considerado, por muitos, como o sucessor do Capítulo de Clermont, foi fundado, em 1758, em Paris, o denominado Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente, Grande e Soberana Loja Escocesa de São João de Jerusalém, que foi, no século XVIII, a mais importante das Potências ditas escocesas, as quais, embora nascidas na França, tiveram os seus primórdios com os partidários dos Stuarts --- denominados "escoceses" --- que reinaram, durante muito tempo, sobre a Inglaterra e a Escócia. O seu pomposo título distintivo mostra, claramente, a influência aristocrática, a fixação nas Cruzadas --- já expostas no discurso de Ramsey --- a fatuidade da época e o fascínio exercido pelos Altos Graus. No mesmo ano de 1758, o Conselho criou um sistema de Altos Graus, impondo-lhe o limite de 25 graus. Essa resolução foi inscrita, oficialmente, em seus Estatutos de 1762, e, no início, todos esses graus superiores eram chamados de "graus de perfeição". Essa escala de 25 graus foi denominada Rito de Perfeição, ou de Héredom.
Em 1761, Etienne Morin, membro da seção do Conselho instalada em Bordeaux, recebeu uma patente, através da qual ele era autorizado a fundar Lojas dos graus de perfeição nas Américas. Aí chegando --- através de Porto Rico --- só dois anos mais tarde, Morin constatou que outros o haviam precedido. Em parte de sua correspondência, citada por Lantoine, é abordada "uma respeitável Loja escocesa", encontrada tão bem composta, da mesma maneira que a Loja simbólica, que ele acreditou dever dar a elas as mesmas instruções. Isso significa que, além dessa Loja simbólica, já existia uma Oficina de Altos Graus, embora tenha sido só através de Morin que essas Lojas progrediram e prosperaram, sob a égide da seção bordelesa do Conselho, que lhe havia concedido a patente.
O Supremo Conselho de Charleston
Os Altos Graus tiveram, no Novo Mundo, uma acolhida muito grande e até sofreram acréscimos. Todos os tinham e a sua concessão, sem qualquer critério lógico e sem um poder moderador para discipliná-la e organizá-la, acabou fazendo com que o sistema se transformasse num verdadeiro caos.
Diante disso, um grupo de maçons, reunidos a 31 de maio de 1801, na cidade de Charleston, no Estado da Carolina do Sul (EUA), por onde passa o paralelo 33 da Terra, resolveu criar o Supremo Conselho do grau 33, que, por ser o primeiro, audenominou-se "Mother Council of the World", ou seja Supremo Conselho Mãe do Mundo (por que não pai?). Supõem, porém, alguns pesquisadores, que os Supremos Conselhos das Índias Ocidentais Francesas e de Kingston (Índias Ocidentais Inglesas), cuja existência é imprecisa, em ambos os casos, já atuavam desde 1796.
Marcando o início de uma fase de organização e método na concessão dos Altos Graus, o primeiro Supremo Conselho adotou a divisa Ordo ab Chao, ou seja, Ordem no Caos, o caos em que se havia transformado o emaranhado de Altos Graus, concedidos sem qualquer critério lógico e sem que houvesse um poder organizador, moderador e disciplinador.
Da criação desse Supremo Conselho participaram nove membros: Frederik Dalcho, John Mitchell, Abraham Alexander, James Moultrie, Thomas Bartholomew Bowen, Jean-Baptiste Marie Delahogue, Emanuel de la Motta, Moses Levy, Israel de Lieben. O conde Alexandre-François-Auguste Grasse-Tilly, genro de Delahogue, embora tenha sido, praticamente, o mentor da idéia, não aparece entre os fundadores. Nascido em 1765 e iniciado em Paris, antes da Revolução Francesa, na Loja Saint Jean d'Écosse du Contrat Social, ele foi para a América, passando muito tempo em São Domingos, como oficial, até chegar a Charleston, em 1786. A história de sua vida se identifica, a partir daí, com a história do Rito Escocês Antigo e Aceito, pois ele já vinha, desde 1796, pensando em fundar um Supremo Conselho e criar o 33o. grau.
Chegando a Paris, munido de uma patente que o habilitava a criar um Supremo Conselho, Grasse-Tilly encontrou grande agitação maçônica, provocada por dissidências e querelas em torno da colação dos Altos Graus de Héredon, as quais já haviam proporcionado diversos acordos, seguidos de tantas outras rupturas, ainda em conseqüência da implantação, em 1786, dos quatro Altos Graus do Rito Francês, ou Moderno. Em reação a esse sistema, o conde, em curto espaço de tempo, elevou ao 33o. grau um grande número de maçons franceses, formando um Supremo Conselho provisório. A 12 de outubro de 1804, os Grandes Oficiais do Rito constituíram o Grande Consistório, que convocou, para o dia 22 do mesmo mês, uma assembléia geral, com a finalidade de proceder à formação de uma Grande Loja Escocesa. Nesse dia, deu-se a criação da Grande Loja Geral Escocesa de França, do Rito Antigo e Aceito, com sede em Paris, elegendo-se, na ocasião, quarenta e nove dignitários e sendo proclamado o príncipe Luís Napoleão, como Grão-Mestre, e Grasse-Tilly como seu representante.
Grasse-Tilly foi o dirigente máximo (Soberano Grande Comendador) do Supremo Conselho da França, de 1804 a 1806, tendo Delahogue como Lugar-Tenente, segundo da escala e substituto imediato do Soberano Grande Comendador. Ele viria a ser sucedido pelo duque de Cambacérès, que governaria de 1806 a 1818, e retornaria ao cargo, dirigindo o Supremo Conselho de 1818 a 1821. Foi com Grasse-Tilly que o Rito Escocês, realmente, vicejou por quase toda a Europa, embora só com grandes esforços tenha aberto um discreto caminho na Inglaterra, onde a Maçonaria, sob a égide da Igreja Anglicana, não via com bons olhos um rito nascido do catolicismo jacobita (stuartista).
A "lenda" das Constituições de Frederico II
Criado o Supremo Conselho, que estabelecia um sistema totalmente novo de Maçonaria, desconhecido até então, atribuiu-se a sua organização a uma Constituição de 1o. de maio de 1786, que teria sido elaborada por Frederico II, rei da Prússia (2). Esse sistema só ficou conhecido a partir de 4 de dezembro de 1802, quando o Supremo Conselho de Charleston expediu uma circular, comunicando o fato, enaltecendo os Altos Graus e atribuindo, então, a sua organização a Frederico. Se essa organização tivesse, realmente, surgido nessa data --- 1786 --- é, no mínimo, estranho que o fato só ficasse conhecido em 1802.
A história "oficial", divulgada, inclusive, pelo Supremo Conselho da França, diz que Carlos Stuart, filho de Jaime III, sendo chefe de toda a Maçonaria, conferiu, a Frederico II, a dignidade de Grão-Mestre, nomeando-o, também, seu sucessor, qualidade na qual ele seria reconhecido como chefe dos Altos Graus. A 25 de outubro de 1782, ainda com os 25 graus de Héredom, eram confirmadas as Constituições e Regulamentos de Bordeaux. E quatro anos depois, segundo essa versão "oficial", Frederico transmitia os seus poderes e prerrogativas a um Supremo Conselho dos Grandes Inspetores Gerais, ao mesmo tempo em que aumentava a escala para 33 graus e publicava, a 1o. de maio de 1786, a sua Constituição.
Alguns fatos mostram que isso é pura lenda:
Em primeiro lugar, a 1o. de maio de 1786, Frederico não tinha condições de assinar nada, nem transmitir coisa nenhuma, já que se encontrava em estado semi-comatoso, vindo a falecer a 17 de agosto do mesmo ano.
A versão oficial não tem a mínima credibilidade entre os bons autores maçônicos, sendo refutadas por pesquisadores de primeira linha, como Findel. Rebold, Thory, Clavel, Cordier, Marconay e Lindsay. Rebold afirma que Frederico foi iniciado a 15 de agosto de 1738, em Brunswick e que, em 1744, a Loja "Três Globos Terrestres", de Berlim, fundada por artistas franceses, foi, por ele, elevada à categoria de Grande Loja, da qual ele foi aclamado Grão-Mestre, exercendo o mandato até 1747. A partir de então, ele não mais se ocupou ativamente da Maçonaria e, quando o sistema dos Altos Graus foi introduzido nas lojas prussianas pelo marquês de Bernez, ele se mostrou adversário da inovação, tratando-a com desdém, sendo duro em relação aos Altos Graus e prevendo que eles acabariam sendo motivo de constante discórdia entre as Lojas.
Marconay afirma que, em resposta a uma consulta sua, a Loja dos Três Globos enviou-lhe carta, onde refere que Frederico foi, em parte, o criador do sistema que a Loja adotou, mas que nunca interferiu em seus assuntos e nunca se ocupou em ditar leis aos maçons. Diz mais, essa missiva, que a Grande Loja dos Três Globos não reconhecia nem praticava mais do que os graus azuis de São João, mas que tinha um comitê, chamado Supremo Oriente Interior, que dirigia os trabalhos dos graus superiores, que não passavam de sete. E termina, afirmando que carecia de fundamento tudo aquilo que se referisse a prescrições de Frederico.
Findel, considerado um dos maiores pesquisadores maçônicos de todos os tempos, é mais contundente, chamando essa versão "oficial" de simples invenção, que só poderia ser divulgada por quem tivesse interesses estranhos à procura da verdade histórica.
Assim, tanto as Constituições, Estatutos e Regulamentos, quanto os Novos Institutos Secretos e Fundamentais da Muito Antiga e Venerável Sociedade dos Antigos Maçons Livres Associados, ou Ordem Real e Militar da Franco-Maçonaria, atribuídos a Frederico, com a fictícia data de 1o. de maio de 1786, devem ser vistos como documentos históricos do Rito Escocês Antigo e Aceito, mas gerado pelos criadores do primeiro Supremo Conselho e com data posterior à que consta nos documentos, pois, vale repetir, se uma inovação tão grande quanto essa já ficara totalmente organizada, em 1786, na Europa, por que ela permaneceria oculta e ignorada até 1802, sendo necessário que os norte-americanos revelassem ao mundo a sua existência?
Na realidade, a América do Norte, nesse início de século XIX (1801), ainda era vista, pelos europeus, como uma terra de índios, selvagem e inóspita, já que o seu território ainda estava sendo conquistado e eram constantes os atritos bélicos com os índios. Para se ter uma idéia, o famoso massacre de Little Big Horne, quando o regimento comandado pelo general Custer foi dizimado por índios apaches, sioux, arrapahoes e outros, ocorreu já no último quartel desse século, em 1876. Aceitar uma novidade vinda desse Novo Mundo seria muito difícil para a Europa, com seus séculos de civilização; já partindo de um de seus mais importantes monarcas ela seria muito mais palatável. E foi o que ocorreu.
Mas a "lenda" de Frederico foi, durante muito tempo, levada a sério na Europa. Rémy Boyau cita o seguinte fato: a 21 de novembro de 1879 --- setenta e oito anos após a fundação do Supremo Conselho de Charleston --- em "Impressões de um Aprendiz", Georges Martin mostra-se indignado, num arroubo juvenil e até cômico:
"A origem da Franco-Maçonaria confunde-se com a época pré-histórica, enquanto que a Constituição que nos rege data de 1786, menos de um século atrás! Quem fez essa Constituição? Frederico II, rei da Prússia! Já que eu vos comunico minhas impressões, eu devo falar francamente. Pois bem, do mais profundo de meu coração de francês e de antigo soldado da defesa de 1870-1871, eu declaro que todo o meu ser fica revoltado perante a idéia de que, entrando na Franco-Maçonaria, eu sou submetido ao jugo de uma Constituição emanada do déspota Frederico II, rei da Prússia"!
O disparate maior, nessa arenga do autor, todavia, é o de que a origem da Maçonaria confunde-se com a época pré-histórica. Ele só é superado pelo de George Oliver, que, em "Antiquities of Freemasonry", afirma que a Maçonaria remonta à época da criação do mundo, pois é grande a semelhança entre os seus princípios e os da primitiva Constituição que regia o Paraíso terrestre! Se é que houve um "Paraíso", como Oliver teve conhecimento de sua "Constituição"? E para que precisaria, o Paraíso, de uma Constituição?
Embora o nome de Frederico esteja em rituais de Altos Graus, como o criador da Ordem, isso deve ser tomado como lenda --- como tantas outras da Maçonaria --- e não como fato histórico.
Ir. José Castellani
Notas
1. Ramsay nasceu em Ayr, Escócia, em 1686, e faleceu em Saint-Germain, França, em 1743. Embora tenha afirmado que era filho de um baronete escocês e reclamado o título quando foi recebido em Oxford, em 1730, na realidade, seu pai era um padeiro ; essa sua origem foi esclarecida num panfleto intitulado "La Ramsayade" , atribuido a Voltaire, mas não reconhecido por ele. O que o enobreceu foi o título de Chevalier de Saint Lazare (Cavaleiro de São Lázaro), que lhe foi concedido pelo regente da França.
Ele foi iniciado a 10 de março de 1730, na Loja Horn, no Palácio Hard de Westminster, da qual o duque de Richmond foi Venerável Mestre. Filho de pai calvinista, exerceu, entre outros preceptorados, o de Carlos Stuart (1724), filho de Jaime III, pretendente católico ao trono da Inglaterra, e acabaria se tornando discípulo, companheiro e apologista do prelado e escritor francês Fénelon e, em conseqüência, do catolicismo. Apesar disso, ingressaria na Royal Society, de Londres, e na Universidade de Oxford, o que mostra que, apesar de católico stuartista, ele mantinha ligações com o anglicanismo.
2. Frederico II, o Grande, filho de Frederico Guilherme I (o "Rei Sargento") da Prússia, nasceu em 1712 e subiu ao trono em 1740, revelando-se tanto hábil administrador quanto guerreiro e conquistador insaciável. Cético e, muitas vezes, sem escrúpulos, era um déspota esclarecido e não renunciava às prerrogativas do absolutismo, embora acatasse muitas das idéias dos enciclopedistas franceses. Tinha, por isso, como lema, a frase: "Tudo para o povo, mas sem o povo". Atraiu para a sua residência, em Sans-Souci, muitos sábios e filósofos --- como Voltaire, por exemplo --- e gostava de ser chamado de "rei filósofo".
Iniciado em Brunswick, a 15/8/1738, antes de assumir o trono, regressou à residência real no mesmo ano, criando uma Loja no castelo de Rheinsberg, secretamente, já que seu pai era contrário à Maçonaria, provavelmente devido à origem britânica desta. Em 1740, quando se tornou rei, era criada, sob sua proteção, a 13/9, a Loja Três Globos Terrestres, formada por artistas franceses que haviam sido chamados à Prússia. A 24/6/1744, ela era elevada a Grande Loja Real, com Frederico como Grão-Mestre. Faleceu a 17/8/1786, após passar seis meses praticamente inconsciente