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A
mudança não se gere Descobre-se.
Antecipa-se. Aproveita-se. Lidera-se.
Os tempos de
transição e de oportunidade são para empreendedores não para gestores. Aos quase 90 anos este vienense (austríaco) nascido no princípio do século farta-se com uma lasanha, com um apetite devorador, entremeado por longas tiradas de conversa histórica. O pai do Management revela-se um conversador nato que fala de um tema qualquer com uma visão que abrange o nosso século por inteiro, como se andasse de helicóptero a baixa altitude sobrevoando as grandes mudanças da História recente. Ele diz modestamente que foi sempre um observador e sugere que foi esse distanciamento que lhe permitiu ser um antecipador de tendências, revelando-nos aquilo que emergia, mas que a maioria de nós ainda não via. Um almoço ou uma tarde com Peter Ferdinand Drucker é como se você tivesse o privilégio de interagir com uma Enciclopédia viva. Ele não cansa quem o ouve. Insere-nos num filme. E de espectador, passamos a companheiros de viagem dos protagonistas. A fratura histórica O filme, desta vez, foi o empreendedorismo. O termo voltou à ribalta. Não admira. Para o nosso interlocutor nós estamos a viver uma segunda abertura neste final de século. A idéia de uma economia empreendedora nasceu com o que Drucker chama a fratura histórica no capitalismo do pós-guerra. Os fatos mediáticos foram o abandono do padrão-ouro e os choques petrolíferos nos anos 70, que toda a gente continua ainda hoje a citar, mas dos quais provavelmente não retira qualquer ilação radical. Menos premiados no discurso continuam a ser a industrialização da revolução da informação, com o chip e o computador pessoal, e o súbito ensejo de milhares e milhares de pessoas comuns, até ali empregadas por conta de outrem, que resolveram despedir-se, ou jovens que recusaram o início de carreira trabalhando para um patrão. Toda esta gente criou literalmente uma nova economia, não só, nem principalmente, de base tecnológica, sublinha-nos, deixando o garfo suspenso. São estes os novos protagonistas do capitalismo, que Peter Drucker nos revelou em Inovação e Empreendedorismo, a obra que publicou em 1985 (com o título Innovation and Entrepreneurship, cuja reedição de 1993 ainda pode ser encomendada e que viria a ser traduzida para português por Júlio Soares Pereira no ano seguinte para a Editorial Presença. (Obra que provocou em mim um terremoto mental, devo confessar, e a quem eu devo o impulso para conhecer o pai da gestão, um ser acessível e simpático com quem durante anos troquei faxes e muito espassadas visitas na sua modesta vivenda de Claremont). O livro era subversivo. Enquanto todo o distinto mundo dos economistas e dos intelectuais bem pensantes carpiam sobre a desindustrialização, este comedor inveterado de lasanha revelava-nos uma nova tendência e vinha dizer que o empreendedorismo não era um dom divino para gênios, mas algo ao alcance de gente comum - algo que pode ser aprendido e organizado sistematicamente por si e por mim que não somos iluminados. Segunda janela de oportunidade
O interesse em estar a remoer este passado (ainda não tão distante assim) prende-se com o período que agora vivemos neste final de século. Para Peter Drucker é uma segunda abertura, uma nova janela de oportunidade que se mistura com a emergente economia digital e com o boom na criação de novas empresas de todo o tipo. Toda a gente fala, hoje em dia, com ar sério, de que a mudança é incontornável, diz Drucker, entre uma garfada e uma risada. Ouvimo-lo tanto no discurso oficial do poder político e econômico, como na conversa da treta à mesa do café. Mas pouca gente está mesmo convencida que vivemos, de fato, um período de transição, um período de sobressaltos, em que a mudança é a norma, prossegue, enfatizando a palavra que sublinho (já que me é impossível ao escrever dar-lhe um som mais forte). Os gestores de gabarito falam, então, que essa mudança tem de ser gerida, e empertigam-se para dizerem do alto dos seus castelos que estão a criar organizações para a mudança. As revistas VIP de economia vendem-nos estes espécimes como os heróis a imitar. Drucker ri-se de novo: Não se pode gerir a mudança. Só se pode antecipá-la ou liderá-la. A mudança é coisa para empreendedores, não para gestores. O resto é conversa fiada. O futuro faz-se acontecer
Aqui apanhamos o primeiro choque psicológico, e ainda a lasanha está na metade. Eu interrogo-me se ainda o estou a ouvir bem ou se o «Merlot» de Sonoma (a espetacular região dos vinhos do Norte da Califórnia, acima de São Francisco) me deu volta à cabeça. Os quase slogans saem de cabeça - O futuro não se gere, faz-se acontecer. Se estamos à espera de o gerir, já é tarde, meus senhores. Alguém pegou, entretanto, nas oportunidades. Por isso, a inovação não é uma coisa que se organize assepticamente, como se eu agora decidisse isto está tudo a mudar, deixa-me pôr este pessoal a mexer-se. A mudança tem de se procurar sistematicamente. E a primeira política não é dizer às pessoas 'inovem'. Isso até pode ser precipitado e distrair-nos do essencial. A primeira política, e a fundação para todas as outras, é abandonar o ontem, explica-se Drucker. Ora isto é das coisas mais difíceis de fazer, mentalmente falando. É um corte ideológico, e isso não é como mudar de camisa. E Drucker vai mais longe: A primeira grande medida é abandonar organizadamente o passado. Este 'organizadamente' implica uma série de coisas práticas: não modernize o velho, não retoque o passado, não perca energias nisso, não consuma recursos aí; aposte no novo decididamente, faça algo diferente; focalize-se primeiro na exploração de oportunidades, não nos problemas - se inverte esta ordem está a suicidar-se economicamente. Aqui fiquei sem fôlego, mas o segundo choque psicológico ainda estava para vir. A lasanha já estava a findar, o meu «Merlot» aconselhava-me a não insistir, e Drucker dá-me mais um murro no estômago: Muita gente anda a escrever que os empreendedores são homens que procuram o risco. Faz-se todo um discurso em torno do risco. Saiba que o empreendedor é conservador. Conservador, sim! O inovador minimiza os riscos, não os maximiza. Os inovadores têm sucesso por definirem e limitarem os riscos. O inovador não se orienta para o risco, mas sim para a oportunidade. A lasanha estava no fim. A sobremesa sobre o resto do filme do empreendedor, o leitor poderá lê-la em «Os Desafios da Gestão» na HarperBusiness, com o título Management Challenges for the 21st Century.
Por Jorge Nascimento Rodrigues Envie sua opinião sobre nosso site da Web, empresa, produtos ou serviços. Se nos fornecer suas informações para contato, poderemos encontrá-lo caso tenhamos alguma dúvida.
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