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A mudança não se gere

Descobre-se. Antecipa-se. Aproveita-se. Lidera-se. Os tempos de transição e de oportunidade são para empreendedores não para gestores.

O pai do management imortalizou a onda americana dos anos 70/80 num livro que é hoje um 'clássico' - Inovação e Empreendedorismo em 1985.
Volta a falar de uma janela de oportunidade na sua obra Os Desafios da Gestão.

Aos quase 90 anos este vienense (austríaco) nascido no princípio do século farta-se com uma lasanha, com um apetite devorador, entremeado por longas tiradas de conversa histórica. O pai do Management revela-se um conversador nato que fala de um tema qualquer com uma visão que abrange o nosso século por inteiro, como se andasse de helicóptero a baixa altitude sobrevoando as grandes mudanças da História recente. Ele diz modestamente que foi sempre um observador e sugere que foi esse distanciamento que lhe permitiu ser um antecipador de tendências, revelando-nos aquilo que emergia, mas que a maioria de nós ainda não via.  Um almoço ou uma tarde com Peter Ferdinand Drucker é como se você tivesse o privilégio de interagir com uma Enciclopédia viva. Ele não cansa quem o ouve. Insere-nos num filme. E de espectador, passamos a companheiros de viagem dos protagonistas.

A fratura histórica

O filme, desta vez, foi o empreendedorismo. O termo voltou à ribalta. Não admira. Para o nosso interlocutor nós estamos a viver uma segunda abertura neste final de século. A idéia de uma economia empreendedora nasceu com o que Drucker chama a fratura histórica no capitalismo do pós-guerra. Os fatos mediáticos foram o abandono do padrão-ouro e os choques petrolíferos nos anos 70, que toda a gente continua ainda hoje a citar, mas dos quais provavelmente não retira qualquer ilação radical. Menos premiados no discurso continuam a ser a industrialização da revolução da informação, com o chip e o computador pessoal, e o súbito ensejo de milhares e milhares de pessoas comuns, até ali empregadas por conta de outrem, que resolveram despedir-se, ou jovens que recusaram o início de carreira trabalhando para um patrão. Toda esta gente criou literalmente uma nova economia, não só, nem principalmente, de base tecnológica, sublinha-nos, deixando o garfo suspenso.  São estes os novos protagonistas do capitalismo, que Peter Drucker nos revelou em Inovação e Empreendedorismo, a obra que publicou em 1985 (com o título Innovation and Entrepreneurship, cuja reedição de 1993 ainda pode ser encomendada e que viria a ser traduzida para português por Júlio Soares Pereira no ano seguinte para a Editorial Presença. (Obra que provocou em mim um terremoto mental, devo confessar, e a quem eu devo o impulso para conhecer o pai da gestão, um ser acessível e simpático com quem durante anos troquei faxes e muito espassadas visitas na sua modesta vivenda de Claremont).  O livro era subversivo. Enquanto todo o distinto mundo dos economistas e dos intelectuais bem pensantes carpiam sobre a desindustrialização, este comedor inveterado de lasanha revelava-nos uma nova tendência e vinha dizer que o empreendedorismo não era um dom divino para gênios, mas algo ao alcance de gente comum - algo que pode ser aprendido e organizado sistematicamente por si e por mim que não somos iluminados.

Segunda janela de oportunidade

O interesse em estar a remoer este passado (ainda não tão distante assim) prende-se com o período que agora vivemos neste final de século. Para Peter Drucker é uma segunda abertura, uma nova janela de oportunidade que se mistura com a emergente economia digital e com o boom na criação de novas empresas de todo o tipo. Toda a gente fala, hoje em dia, com ar sério, de que a mudança é incontornável, diz Drucker, entre uma garfada e uma risada. Ouvimo-lo tanto no discurso oficial do poder político e econômico, como na conversa da treta à mesa do café. Mas pouca gente está mesmo convencida que vivemos, de fato, um período de transição, um período de sobressaltos, em que a mudança é a norma, prossegue, enfatizando a palavra que sublinho (já que me é impossível ao escrever dar-lhe um som mais forte). Os gestores de gabarito falam, então, que essa mudança tem de ser gerida, e empertigam-se para dizerem do alto dos seus castelos que estão a criar organizações para a mudança. As revistas VIP de economia vendem-nos estes espécimes como os heróis a imitar.  Drucker ri-se de novo: Não se pode gerir a mudança. Só se pode antecipá-la ou liderá-la. A mudança é coisa para empreendedores, não para gestores. O resto é conversa fiada.

O futuro faz-se acontecer

Aqui apanhamos o primeiro choque psicológico, e ainda a lasanha está na metade. Eu interrogo-me se ainda o estou a ouvir bem ou se o «Merlot» de Sonoma (a espetacular região dos vinhos do Norte da Califórnia, acima de São Francisco) me deu volta à cabeça. Os quase slogans saem de cabeça - O futuro não se gere, faz-se acontecer. Se estamos à espera de o gerir, já é tarde, meus senhores. Alguém pegou, entretanto, nas oportunidades. Por isso, a inovação não é uma coisa que se organize assepticamente, como se eu agora decidisse isto está tudo a mudar, deixa-me pôr este pessoal a mexer-se.  A mudança tem de se procurar sistematicamente. E a primeira política não é dizer às pessoas 'inovem'. Isso até pode ser precipitado e distrair-nos do essencial. A primeira política, e a fundação para todas as outras, é abandonar o ontem, explica-se Drucker.  Ora isto é das coisas mais difíceis de fazer, mentalmente falando. É um corte ideológico, e isso não é como mudar de camisa. E Drucker vai mais longe: A primeira grande medida é abandonar organizadamente o passado.  Este 'organizadamente' implica uma série de coisas práticas: não modernize o velho, não retoque o passado, não perca energias nisso, não consuma recursos aí; aposte no novo decididamente, faça algo diferente; focalize-se primeiro na exploração de oportunidades, não nos problemas - se inverte esta ordem está a suicidar-se economicamente.  Aqui fiquei sem fôlego, mas o segundo choque psicológico ainda estava para vir. A lasanha já estava a findar, o meu «Merlot» aconselhava-me a não insistir, e Drucker dá-me mais um murro no estômago: Muita gente anda a escrever que os empreendedores são homens que procuram o risco. Faz-se todo um discurso em torno do risco. Saiba que o empreendedor é conservador. Conservador, sim! O inovador minimiza os riscos, não os maximiza. Os inovadores têm sucesso por definirem e limitarem os riscos. O inovador não se orienta para o risco, mas sim para a oportunidade.  A lasanha estava no fim. A sobremesa sobre o resto do filme do empreendedor, o leitor poderá lê-la em «Os Desafios da Gestão» na HarperBusiness, com o título Management Challenges for the 21st Century.

SIM
Recomendações ao empreendedor - por esta ordem decrescente

1-Esteja atento ao INESPERADO (seja êxito ou fracasso); é sempre sintoma de algo novo.
2-Estude as incongruências entre o que você desejava (e planejou) e o que a realidade lhe ofereceu, e NUNCA culpe o mercado ou os «burros» dos clientes.
3-Veja que falhas OPERACIONAIS se revelam; a necessidade é a mãe da inovação.
4-Perceba (antes dos outros) as mudanças na ESTRUTURA do mercado ou do seu setor que apanham toda a gente desprevenida.
5-Esteja com o olho nas mudanças DEMOGRÁFICAS - elas acontecem silenciosamente sem aviso prévio e quando damos conta delas já são radicais.
6-Perceba as mudanças de ATITUDE, de visão do mundo, de percepção das gentes simples.
7-Explore os NOVOS conhecimentos criados por outros.

 

NÃO
O que não deve fazer nem pensar

1-A inovação não é em regra geral uma idéia luminosa de um gênio. As idéias luminosas são as que MAIS falham. 
2-A novidade na maioria dos casos não é inovação; a novidade pode divertí-lo, fazê-lo gozar a moda passageira, mas NÃO cria valor perene.
3-Não se reorganize antes de agir; inove PRIMEIRO e depois então reorganize-se.
4-A inovação nunca sai como a planejamos, o mercado dita em geral o sucesso naquilo que NEM nos passava pela cabeça.
5-Não há estudo de mercado ou simulação computacional que substitua o TESTE da realidade.
6-Inovações complicadas NÃO funcionam Nunca inove para o futuro, inove para o PRESENTE.
7-Não se arme em vedete, o fundador-empreendedor tem de ser um chefe de EQUIPE

 

ALGUMAS TÁTICAS

1-Esteja um PASSO à frente da concorrência
2-Pratique a imitação CRIATIVA (corrija aquilo que os primeiros a inovar não perceberam).
3-Ataque sempre onde os outros NÃO atacarão. Descubra e ocupe um NICHO, o seu nicho, logo nos primórdios de uma nova tendência, de um novo mercado.
4-Mude as características de um dado produto, mercado ou indústria, por exemplo criando NOVAS funcionalidades até então ignoradas.
5-Em matéria de preços, fixe-os no sentido de cobrar aquilo que representa VALOR para o seu cliente e não aquilo que representa CUSTO para si como fornecedor

Por Jorge Nascimento Rodrigues

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