Pré-Modernismo
 

- Augusto dos Anjos -

Psicologia de um vencido

"Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde as epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia
análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!"

(Augusto dos Anjos).

  Augusto Rodrigues dos Anjos nasceu no engenho Pau d'Arco, Vila do Espírito Santo, Paraíba, a 20 de abril de1884. Acompanhou a ruína financeira da família com a decadência da antiga estrutura latifundiária, substituída pelas grandes usinas. Formou-se em Direito na faculdade de Recife, em 1907, mas nunca exerceu a profissão. Lecionou literatura na capital paraibana até 1910 (mesmo ano de seu casamento com Ester Fialho), quando foi afastado do cargo de professor do Liceu Paraibano, devido a desentendimentos com o governador do estado. Mudou-se para o Rio de Janeiro onde lecionou literatura no Colégio Pedro II.
  Publica, em 1912, seu único volume de poesias:"Eu". Em 1914, transfere-se para Leopoldina, Minas Gerais, onde assume a direção de um grupo escolar. Morre a 12 de novembro de 1914.
  Na época em que Augusto dos Anjos viveu e escreveu, a tendência dominante na poesia era o Parnasianismo; à poesia racionalista e objetiva dos parnasianos contrapunha-se o misticismo dos simbolistas. O poeta situou-se entre essas duas tendências, com sua poesia apresentando-se como a soma de todas as tendências da segunda metade do século XIX, bem como do início do século XX, por isso é difícil classificar sua obra dentro de alguma tendência. Se o autor é o poeta do "mau gosto", do escarro, dos vermes, é também um cientificista.
  Com sua poesia formalmente trabalhada, elaborada na linguagem cientificista-naturalista, ao lado de uma "vulgaridade" incrível, Augusto dos Anjos atingiu uma popularidade acima das expectativas. Podem ser destacadas algumas características da sua poesia, tais como: referências à decomposição da matéria (o verme aparece como o agente dessa destruição); pessimismo diante da vida (sendo essa a característica que mais aproximou o poeta da massa de leitores - a angústia diante dos problemas pessoais, bem como as incertezas do novo século, que trazia consigo a idéia de uma guerra mundial; daí a presença constante da morte e desintegração pelos vermes); o amor reduzido a instinto; a incorporação do vocabulário científico (o que chocou o público, acostumado à elegância parnasiana).

O morcego

"Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

'Vou mandar levantar outra parede...'
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh' alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!"

(Augusto dos Anjos).