Pré-Modernismo
 

- Lima Barreto -

  Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro a 13 de maio de 1881, filho de um português com uma escrava. Em 1897 ingressou na Escola Politécnica, estudando engenharia até 1902, quando teve de abandonar o curso para trabalhar e sustentar a família, uma vez que seu pai enlouquecera. Emprega-se na Diretoria do Expediente da Secretaria de Guerra, o que lhe dá certa tranqüillidade financeira. Data dessa época o início de suas colaborações na imprensa com alguns contos. Mestiço de origem pobre, seguidor do socialismo, com o pai louco internado na Colônia de Alienados, sofrendo o preconceito racial e vivendo todas as contradições do início do século, lima Barreto passa por profundas crises depressivas. Alcoólatra, foi recolhido duas vezes ao Hospício Nacional (em 1914 e 1919), sendo aposentado de seu cargo na Secretaria de Guerra.
  Passa o ano de 1922 cuidando do pai moribundo. Morre em 1º de novembro de 1922, quarenta e oito horas antes do falecimento do pai.
  Lima Barreto levou muito tempo para ser reconhecido como um dos mais importantes autores da Literatura Brasileira - no seu tempo recebeu duras críticas por sua falta de estilo, só tendo

sua obra reavaliada e colocada num patamar de destaque recentemente.
  O autor tem consciência dos verdadeiros problemas brasileiros, ao mesmo tempo em que critica aquele nacionalismo ufanista, exagerado, utópico, herdado do Romantismo - sendo essas características que o situam dentro do Pré-Modernismo. Outra característica que o aproxima do Modernismo, sendo um dos maiores motivos de críticas pelos ainda parnasianos de sua época, é seu estilo: leve, fluente, propositadamente frouxo para os padrões do final do século XX (aproxima-se da linguagem jornalística, estilo usado por muitos autores após 1922).
  Todas as características de Lima Barreto, como a dose certa de crítica, análise e humor, estão presentes em "Triste fim de Policarpo Quaresma" (1911). O tema central do livro é o nacionalismo exagerado, porém sincero, de "Policarpo Quaresma". Um nacionalismo perigoso, quando manipulado por mãos férreas como as do Marechal Floriano Peixoto. Este livro antecipa os regimes nazi-fascistas que ganhariam corpo a partir da década de 1930: para engrandecer a pátria, só um governo forte, ou mesmo a tirania.
  Lima Barreto critica a forma como as mulheres eram educadas (uma educação que só as preparava para o casamento), sendo um dos primeiros defensores do voto feminino; critica o exagerado militarismo da política brasileira, assim como a República, que nos levou à ditadura de Floriano Peixoto.
  O universo de personagens criados por Lima Barreto está repleto de políticos ineficazes e poderosos, de ignorantes que passam por sábios, de militares incapazes e tirânicos. A esse mundo de privilegiados ele opõe as figuras do subúrbio, uma multidão de oprimidos, mostrando suas aspirações e sua revolta contra uma ordem social injusta. Os bairros pobres do Rio de Janeiro recebem especial destaque, sendo o local onde se passa a ação de seus romances, com o autor retratando de forma precisa a vida nos subúrbios cariocas e sua gente humilde.
  Lima Barreto documenta acontecimentos importantes da vida republicana, prendendo-se à sua realidade histórica.
  O autor acreditava na literatura como uma forma de estimular o leitor a refletir e lutar por seus direitos. Daí serem temas comuns em sua obra: a questão racial; a denúncia da hipocrisia e das falsas aparências; a denúncia da associação de dinheiro a prestígio; critica a burocracia medíocre e inútil.
  Um traço autobiográfico está presente em todos os romances de Lima Barreto, com suas experiências sendo transpostas em alguns personagens, principalmente negros e mestiços, que sofrem o preconceito racial.

O nacionalista Policarpo Quaresma

"Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal da Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa. Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito. A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: 'Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou.' "

(Trecho do primeiro capítulo de "Triste fim de Policarpo Quaresma).