Pós-Modernismo
 

- João Cabral de Melo Neto -

Composição
"Frutas decapitadas, mapas
aves que prendi sob o chapéu,
não sei que vitrolas errantes,
a cidade que nasce e morre,
no teu olho a flor, trilhos
que me abandonam, jornais
que me chegam pela janela
repetem os gestos obscenos
que vejo fazerem as flores
me vigiando em noites apagadas
onde nuvens invariavelmente
chovem prantos que não digo."
(Poema do livro "Pedra do sono" de João Cabral de Melo Neto).

  Nascido no Recife, a 9 de janeiro de 1920. Passou a infância em engenhos de açúcar e estudou com os Irmãos Maristas em sua cidade natal. Escreve o primeiro livro em 1942, "Pedra do sono", que apresenta nítida influência de Carlos Drummond e de Murilo Mendes. Ingressa na carreira diplomática em 1945, servindo na Espanha, Inglaterra, França e no Senegal. Nesse mesmo ano publica o livro que manifesta os rumos definitivos de sua obra, "O engenheiro". Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras por unanimidade em 1969. Faleceu em sua casa no Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 1999.
  João Cabral de Melo Neto só pertence à Geração de 45 do ponto de vista cronológico, uma vez que, esteticamente, afasta-se dos grupos, trilhando caminhos próprios e tornando-se um caso particular na evolução da poesia brasileira moderna.
  Sua poesia caracteriza-se pela objetividade na constatação da realidade, do cotidiano, desenvolvendo-se, em alguns casos, em direção ao surrealismo.
  Quanto a temática, o poeta apresenta três grandes preocupações: o Nordeste (com sua gente: os retirantes, suas tradições, seu folclore, a herança medieval e os engenhos; seu estado natal, Pernambuco, e sua cidade, Recife, merecem atenção especial); a Espanha (destacando as semelhanças de sua paisagem com a do Nordeste brasileiro); a própria Arte e suas várias manifestações (pintura, literatura e até mesmo futebol).
  Apresenta em toda sua obra uma preocupação com a estética, com a arquitetura da poesia, construindo a mesma de forma racional, num evidente combate ao sentimentalismo choroso, utiliza-se de uma linguagem enxuta, concisa, que constitui o próprio falar do sertanejo. Daí escrever ser um trabalho de depuração, com as palavras tendo de ser bem escolhidas.
  Um aspecto fundamental na obra de João Cabral é a reflexão constante sobre a própria poesia (como Drummond, Murilo Mendes e outros poetas surgidos nos anos 30 já haviam feito).
  A partir de 1950, o poeta pernambucano apresenta uma poesia cada vez mais engajada, aprofundando a temática social. A poesia participante só traria o reconhecimento popular a João Cabral a partir do poema dramático "Morte e vida severina" ("Auto de Natal pernambucano"), que foi encenado pelo TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo) na década de 60, musicado por Chico Buarque de Holanda. O espetáculo percorreu várias capitais européias e brasileiras, ganhando inúmeros prêmios e aproximando do grande público a obra de João Cabral de Melo Neto.

"É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.

São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra."

(Trecho do poema "Psicologia da composição", de João Cabral de Melo Neto).