Data de
1845 a primeira iniciativa de transporte público em Salvador, empreendida pelo austríaco
Rafael Ariani. Tratava-se de um serviço de ônibus, ou "gôndolas", como eram
chamados na época, a tração animal. O mesmo Ariani inaugurou, mais tarde (1866), um
serviço de diligências sobre trilhos, na extensão de 3 Km, na região de Munganga
(Coqueiros de Águas dos Meninos). Eram, já, de certo modo, os bondes de Salvador, ou sua
precursão. Associando-se depois a Nicolau Carneiro da Rocha e Paulo Pereira Monteiro, e,
mais adiante, a João Inácio de Azevedo, constituiu-se a firma "Monteiro, Carneiro
& Azevedo", que veio, mais tarde, a incorporar-se à companhia de bondes
denominada "Veículos Econômicos". Ao lado da iniciativa de Ariani, ocorreu a
do negociante Antônio Francisco de Lacerda, que, além do sistema de bondes que
empreendeu, foi responsável pela criação do serviço de elevadores entre Cidade Alta e
Cidade Baixa, sistema este que até hoje funciona e ainda leva o seu nome, o famoso
"Elevador Lacerda"; a princípio movidos hidraulicamente, a propulsão dos
elevadores foi eletrificada entre Julho de 1906 e Janeiro de 1907. O serviço de bondes
instaurado por Lacerda - "Companhia de Transportes Urbanos" - foi inaugurado em
1870, o primeiro trecho entre os Largos da Graça e da Piedade; a seguir estabeleceu-se o
tráfego na Ladeira de São Bento (descida) e Rua Direita (subida), indo à Praça do
Palácio. É interessante observar como era impelido o trajeto, por meio de etapas, sendo
os animais deixados na Rua Chile a descida feita por força da gravidade, até o Largo do
Teatro, quando era atrelada outra parelha de animais, dando seqüência ao percurso. Em
1904, essa empresa foi comprada pela "Companhia de Trilhos Centrais". Esta
surgira por contrato efetuado em 1869, visando a instalação de linhas de bondes entre
Barroquinhas e Engenho da Conceição, atravessando Retiro, Soledade e Rio Vermelho. Os
trabalhos de construção iniciaram-se em Novembro de 1870 e a inauguração do serviço
em Junho de 1871. Seus fundadores foram dois filhos do já falecido Rafael Ariani - Justo
e Luciano Ariani -, além de Francisco Justiniano de Castro Rabelo, Manoel de Souza
Machado e Egas Carneiro de Campos. Em 1876, esse sistema já contava 4,4 Km de extensão,
tendo-se expandido até a Quinta de São Lázaro (1871) e, depois, ao Rio Vermelho (1876).
Conforme dito acima, essa empresa encampou, em 1904, a "Cia. De Transportes
Urbanos". É interessante notar que esta última tivera grandes progressos, já
contando 30 Km de extensão, e que introduzira o sistema de planos inclinados, muito
apropriado para a topografia soteropolitana, conhecida por suas muitas ladeiras. Esses
planos inclinados (eram dois) marcaram o emprego do sistema de tração a cabo no Brasil(*) (ver nossa página sobre tração a cabo),
caracterizando, segundo as palavras de Stiel, "um meio de transporte coletivo bem
original. Constava de dois bondes sobre trilhos que eram movidos por cabos que se
enrolavam em um tambor. Foram projetados e construídos sob a direção de Júlio
Brandão." (HTUB - WCS - pág. 383). Depois da unificação da "Transportes
Urbanos" pela "Trilhos Centrais", deu-se, em 1905, a fusão dessa
resultante com a firma "Guinle & Cia.", que movimentavam os portos de Santos
e do Rio de Janeiro e encarregavam-se da construção da maior parte das instalações de
energia elétrica no Brasil. Sob a nova direção, a "Trilhos Centrais" cresceu
rapidamente, absorvendo a "Companhia Linha Circular" e adotando, em 1906, a
tração elétrica, que foi instalada no trecho de Brotas e Itapoã, pertencente à
"Companhia Tram-Road de Itapoã", da qual a "Trilhos Centrais"
adquirira a concessão. Seguiram-se as instalações do sistema elétrico entre
Barroquinha e Ponte Nova, a seguir até Mata Escura (1908), e, em 1916, entre o Beco do
Felizardo e Acupe. Em 1926 a "Tram-Road de Itapoã" foi encampada pela
"Cia. Linha Circular". Voltando um pouco no tempo, lembraremos, fora do contexto
da "Trilhos Centrais", a "Companhia Tram-Road de Nazaré", surgida em
1876 - organizada pelo médico Alexandre Bittencourt e pelo engenheiro João Luiz Pires
Lopes -, e a já citada "Veículos Econômicos" funcionando desde 1869 entre
Conceição da Praia a Itapagipe, onde combinavam-se as trações animal e a
vapor ("Entre a Cidade e Bonfim a
tração era feita por animais e dali em diante por uma pequena locomotiva a vapor."
- HTUB - WCS - pág. 384, segundo Relatório do Min. Da Agricultura p/ 1873 - pág. 129),
e, mais tarde, empreendendo, por iniciativa própria, a eletrificação de suas linhas.
Para tal melhoramento, a empresa adotou a bitola de 1.435 mm e importou veículos alemães
da firma Siemens/Schukert Siemens/Halske. O serviço de bondes elétricos da
"Veículos Econômicos" foi inaugurado em 1897, dando a Salvador a condição
histórica de segunda cidade brasileira a ter bondes de tração elétrica, bem como
fôra, anteriormente, a segunda tê-los de tração animal, precedida apenas pelo Rio de
Janeiro, em ambos os casos. A concessão foi, depois, transferida à Siemens alemã, e, em
seguida (1906) à recém fundada "Bahia Tramway, Light and Power Company", que
deu prosseguimento às eletrificações, começando pelas linhas de Itapagipe, Boa Viagem,
Calçada e Massaranduba. Apesar de tais progressos iniciais, a "Bahia Tramways"
não tardou a declinar, sendo, a ponto de serem seus serviços, em 1913, encampados pela
Intendência Municipal, que não logrou, porém, reerguer o sistema, que continuou a
decair. Por fim, em 1929, a Intendência Municipal abriu concorrência para a venda da
"Bahia Tramways". A única empresa licitante foi a "Cia. Linha Circular da
Bahia", que assumiu o sistema. Essa empresa, fundada em 1883, sob concessão a João
Ramos de Queiroz, fôra, como sabemos, adquirida pela "Trilhos Centrais", em
1906, ano em que adotou a tração elétrica e a bitola de 1.435 mm. Sua linha do Rio
Vermelho foi a primeira elétrica da Cidade Alta, e em seguida foi eletrificada a linha da
Barra. Nesse mesmo ano (1906) a empresa realizou a montagem de um carro em suas próprias
oficinas (os veículos anteriores eram importados). Vale transcrever aqui as elucidações
de Stiel, a respeito das características técnicas desse veículo: "...carro
elétrico contendo no seu interior um motor de indução de 2.300 V, 200 cavalos, ligado
diretamente a um dínamo de corrente contínua de 150 kW. Havia mais um quadro de
distribuição para esses aparelhos e outros materiais acessórios, formando assim com
aquele carro uma subestação rodante portátil igual às que a General Electric fornecia
para auxílio da tração elétrica." (HTUB - WCS - pág. 390). A Companhia teve
progressos, inaugurando mais linhas, expandindo o sistema na Cidade alta, construindo, em
1910, uma estação central, pondo em tráfego, em 1911, o bonde-salão (carro de luxo
para eventos especiais, com gabinete reservado, sala e varanda), os carros fúnebres e, em
1913, o bonde-assistência, cujas características especiais
merecem, também, a transcrição literal das palavras de W. C. Stiel: "...possuía
os dois tipos de alavanca para poder servir em todas as linhas da cidade, já que umas
possuíam alavancas de arco e outras de carretilhas, porém a bitola era a mesma."
(HTUB - WCS - pág. 390). Lembremos que "carretilha" é o mesmo que "trolley",
o que caracteriza a alavanca tipo "lança" (ver figura da direita, no topo
desta página, e nossas respectivas páginas sobre coletores de energia e utilidades específicas dos veículos). A "Cia. Linha
Circular" vinha assim progredindo "de vento em popa", mas, como todas as
empresas que dependiam de importações, sofreu os efeitos da Primeira Grande Guerra. Os
serviços, a manutenção, enfim, as condições gerais da Companhia decaíram
sensivelmente entre 1914 e 1918. Terminado o conflito, a retomada de força foi lenta, mas
ganhou bom impulso em 1924, quando iniciou-se a construção de novas linhas, a começar
pela da Amaralina, além da adoção do sistema de cobrança por meio de talões de
passes. Inauguraram-se em 1926 as linhas do ramal de Canela, e depois outra, "em
prolongamento do ramal do Campo Santo até o Segundo arco, ligando aí com a linha do Rio
Vermelho" (HTUB - WCS - pág. 395). A "Linha Circular" adquiriu, em fins da
década de 1926, a "Trilhos Centrais", e, no ano seguinte (1927) a própria
"Linha Circular" foi, por sua vez, pela "Companhia Brasileira de Força
Elétrica", uma sucursal da General Electric, que geriu mais expansões e
melhoramentos, dentre os quais as linhas "via Cabula". A "Linha
Circular", já sob a jurisdição da "Força Elétrica", encampou - como
já sabemos a "Veículos Econômicos" (que, por sua vez, fôra antes
encampada pela já decadente "Tramway Light and Power"). Surgia, então, a
"Companhia de Energia Elétrica", que assumiu o serviço tríplice do
fornecimento de energia, do transporte urbano (os bondes) e das comunicações (serviço
telefônico). Com o monopólio, a empresa, sem concorrentes, foi-se desinteressando da boa
manutenção dos serviços, o que gerou um outro processo de decadência, por um motivo,
naturalmente, muito diverso do anterior (a guerra), ou seja, a empresa decaía pela
própria negligência. A má qualidade do sistemas de bondes gerou um evento popular muito
típico quando ocorrem situações desse gênero nos serviços públicos, sobretudo nos
transportes. O "quebra-quebra" deu-se em 1930, incendiando-se 60 bondes da
"Linha Circular". A Companhia, porém, teve ganho de causa na justiça, não
sendo, portanto, obrigada a repor o material rodante, o que levou o sistema de bondes
soteropolitano, antes um dos melhores e mais vanguardistas do Brasil, à condição de um
dos mais deteriorados e deficientes do País (dados sobre o "quebra-quebra"
colhidos por W. C. Stiel da obra de Jorge Amado "Bahia de Todos os Santos").
Mesmo em contínua e franca decadência, a Companhia agüentou até 1955, quando, enfim, a
Prefeitura encampou todo o seu patrimônio, transferindo-o para o recém criado Serviço
Municipal de transportes Coletivos (SMTC). Como era de praxe, quando os serviços
municipais "assumiam" os bondes, estava-se prenunciando a sua costumeira
extinção, e no Brasil esse "fenômeno" escolheu para acontecer o
entre-décadas 1950/60. A velha história não foi diferente em Salvador. Os bondes
soteropolitanos duraram até 1961. |