De uma forma geral os caçadores-guias apresentavam-se como uma elite de homens do mato, ostentando certos predicados que os destacavam do cidadão comum, nomeadamente na forma de vestir, invariavelmente de calça ou calção e balalaica, de caqui esverdeado, com os lugares para as balas sobrepostos nos dois bolsos de cima.
Este aprumo e comportamento devia-se em parte ao mito criado em muitos livros e filmes que descreveram caçadas em África, onde o guia – o White Hunter – (3) foi sempre uma figura destacada com atributos de herói e de galã, quer salvando os seus clientes de ataques dos animais, quer aparecendo envolvido em histórias
românticas com mulheres que vindas da civilização se deixavam seduzir pelo encanto do homem da selva.
Um mito bem explorado que conferiu a estes personagens um certo orgulho de exercerem tal profissão !
Em Moçambique os caçadores-guias, sobretudo aqueles que já antes haviam exercido a caça profissional ou desportiva, tinham, de uma forma geral, bons conhecimentos da vida no mato e a sua experiência como caçadores de animais de grande porte foi uma base muito importante para rapidamente se imporem como excelentes profissionais na organização e condução de safaris.
O caçador-guia (atrás) com o neto do Generalíssimo Franco, Presidente
de Espanha, junto de um Inhacoso (Kobus ellipsiprymnus).
Moçambique, que até então era desconhecido em matéria de turismo-cinegético, rapidamente passou a ser procurado por famosos e exigentes turistas-caçadores, a maioria figuras públicas de destaque mundiais (políticos, artistas, escritores, financeiros, etc.,) e aqui realizaram caçadas genuínas que ficaram conhecidas como as melhores de toda a África, devido, sobretudo, à excelência
dos troféus obtidos.
Era, nessa altura, um verdadeiro paraíso da fauna bravia, com muitas zonas de floresta, savana e planície virgens, repletas de grande variedade e quantidade de animais bravios (4) e por isso considerado o território africano mais apetecido pelos amantes da caça ! De tal modo alastrou a fama que o volume de procura de safaris depressa ultrapassou a
capacidade de oferta. Uma situação que não passou despercebida aos responsáveis do Banco emissor do território – o Banco Nacional Ultramarino – que em meados da década de 60 viria a criar aquela que na época foi considerada a mais importante empresa de safaris em África – a Safrique. (5)
O emblema dourado da Safrique que era usado com muito
orgulho pelos seus funcionários e caçadores-guias.
O Marabu foi um dos pioneiros e como concessionário da Coutada 15, na Província de Sofala, recebeu e conduziu clientes provenientes dos mais variados países, sobretudo ocidentais. Ali o conheci, em 1963, em pleno acampamento do “Bambú”.
A minha experiência nos contactos com caçadores-guias era ainda pouca nessa altura visto que anteriormente exercera funções, durante cerca de seis anos, nos distritos do Norte (Cabo Delgado e Niassa), onde não havia caça turística. Tudo quanto sabia destes profissionais devia-se sobretudo às preciosas informações que recebera dos meus saudosos colegas José Coimbra e António Madureira.
Um e outro me deram óptimas referências a respeito do Marabu, como pessoa e como profissional e isso bastou para que, logo no primeiro contacto,
tivessemos uma conversa muito aberta sobre a sua actividade e sobre a caça furtiva na região.
Em posteriores contactos, quando em fiscalização à sua Coutada e mais tarde quando se integrou na empresa “Safrique”, pude sempre verificar que aqueles meus colegas estavam certos na descrição que sobre ele me fizeram. Dele recebi excelente colaboração no combate aos caçadores furtivos durante o tempo que trabalhei naquela região de Moçambique.
Trazer o Armindo Vieira a este Álbum, 15 anos depois da sua morte, é o tributo a um homem que, tendo nascido em Manaus, no Brasil, foi para Moçambique ainda muito novo e ali viveu durante cerca de 50 anos, a maior parte deles dedicados à caça. Nesta actividade tornou-se um profissional muito respeitado, com um passado cumpridor e acima de tudo revelando
qualidades pouco comuns na maioria dos seus colegas. Um exemplo: sabia aproveitar integralmente os produtos obtidos da caça (carne, peles e troféus), sem desperdícios desnecessários. Esta virtude, levada por vezes ao exagero de seguir os rastos de outros caçadores pouco escrupulosos que abandonavam animais feridos, precisamente para aproveitar os respectivos despojos, valeu-lhe o epíteto
de Marabu. (2)
NOTA FINAL
Este Álbum teve a colaboração dos simpáticos filhos do Armindo Vieira – Nené e Rogério Vieira – a primeira ex-funcionária da SAFRIQUE, actualmente a residir em Lisboa e o segundo funcionário consular a viver no Brasil. Para eles o meu obrigado e um abraço do tamanho de Moçambique!
NOTAS EXPLICATIVAS
1)- Ver “ALBUM 2 – Caçadores-guias”;
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(2) - Marabu (Leptoptilos crumeniferus) é uma das aves pernaltas de maior envergadura em África. Voa a grande altitude, anda associada aos abutres e é dotada de uma excelente vista que lhe permite descobrir
rápidamente os animais
mortos. Normalmente é a primeira ave a aparecer junto das carcaças e com o seu bico agudo e comprido rasga os seus ventres, abrindo assim caminho aos abutres que entretanto também chegam e rápidamente tomam de assalto essas carcaças.
A alcunha atribuída ao Armindo Vieira, nada tem de pejorativo, antes pelo contrário, é honrosa na medida em que o retratou, no sentido figurado, como um bom profissional que sabe aproveitar integralmente os despojos dos animais, mesmo os abandonados por outros caçadores.
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(3)- A designação de “White Hunter” (caçador branco) foi-se desvanecendo no tempo com o processo de descolonização dos países africanos e raramente agora é utilizada. Foi substituída por “Professional Hunter”.
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(4) - Ver “Fauna Bravia – Espécies”;
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(5) – Ver “Album 2 . Caçadores-Guias”.
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Marrabenta, Agosto de 2000
Celestino Gonçalves