José Pedro Ruiz
 
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ÁLBUM DE RECORDAÇÕES

- 5 -

JOSÉ PEDRO AFONSO RUIZ

(Caçador de elefantes e guia de caça)


Na cidade ou nas viagens ao estrangeiro, o JOSÉ RUIZ  primava  na forma de vestir!
Da sua indumentária fazia parte o blazer com o emblema do Shicar Safari Clube, que ostentava com muito orgulho.
A foto foi tirada no interior da loja de artesanato “Palapala”, em Lourenço Marques, em 1970.

 

Nascido em Lourenço Marques (actual Maputo) em 1921, filho de pai espanhol e de mãe portuguesa, o JOSÉ RUIZ desde miúdo que se apaixonou pela caça, um passatempo que na época entusiasmava a maioria dos jovens da cidade capital de Moçambique,  visto que à sua volta, onde hoje existem os bairros da Carreira de Tiro, Summer-shield, Malhangalene, Aeroporto, Mahotas e Benfica, abundavam espécies bravias, como lebres, cabritos, perdizes, gansos, patos e toda uma infinidade de aves !
Era ali que se iniciavam aqueles que sonhavam com o interior e com as aventuras da caça grossa ! O Ruiz foi dos que, muito jovem ainda, se aventurou nessas andanças. Primeiro nas caçadas de fim de semana nas  regiões circunvizinhas de Marracuene, da Manhiça, da  Moamba, do Sábiè, de Changalane, de Catuane, do Maputo (Bela Vista), de Magude e outras zonas onde era relativamente  fácil encontrar muitas e variadas espécies, desde os pequenos  Xenganes (cabritos da floresta), aos grandes elefantes, passando pelos hipopótamos, búfalos, cudos, gnús, inhalas, impalas, zebras, leões, leopardos, etc,.
Tornou-se caçador profissional aos vinte anos, dedicando-se inicialmente ao abate de hipopótamos nos rios Incomáti e Maputo, animais estes que, tal como os elefantes, até à década de 50, eram  considerados daninhos para a agricultura e como tal de caça livre fora dos Parques e Reservas.
Destas regiões transitou  para as províncias de Gaza e Inhambane, caçando sobretudo elefantes a sul do rio Save e Alto Limpopo até 1949.

Como o rendimento destas caçadas se baseava apenas na venda do marfim (a carne e peles não tinham colocação e eram entregues às populações ou simplesmente abandonadas no mato),  os caçadores profissionais concentraram-se nas regiões do centro  e  norte de Moçambique, nomeadamente nas províncias de Manica e Sofala e Zambézia onde a carne de caça era vendida às grandes empresas agrícolas (açúcar e chá, sobretudo) sediadas em Marromeu, Luabo, Alto Molócuè, Vila Junqueiro, Lugela, Milange, Ligonha, Namarroi e outras da alta Zambézia e que por lei recente eram obrigadas a fornecer alimentação aos seus trabalhadores.

O José Ruiz fixou-se na zona do estuário do rio Zambeze a norte de Mopeia, tendo construído um belo acampamento junto do rio Lualua. Outros caçadores de renome ocuparam zonas estratégicas em toda a grande Zambézia, na altura farta de caça grossa.

Em meados da década de 50, devido já à escassez de animais naquela província, a maior parte dos caçadores seguiu mais para norte, concretamente para as províncias de Niassa e Cabo Delgado, regiões cujo interior era de pouca densidade populacional e muito farto de animais bravios, nomeadamente de elefantes.

O Ruiz, contudo, regressou ao sul, em 1956, para integrar um projecto de abate de elefantes na região do Alto Limpopo, província de Gaza, organizado pelo respectivo governador, no qual igualmente participaram outros caçadores profissionais, nomeadamente, Harry Manners, José Bettemcourt e Werner Alvensleben.  Pretendia-se  acabar ou pelo menos diminuir drasticamente esta espécie numa vasta região destinada a agricultura e criação de gado bovino, mas os resultados ficaram muito longe do desejado e o projecto viria a ser abandonado.
Entretanto, no final da mesma década, as leis de caça sofreram alterações radicais: foi extinta a caça “utilitária” (modalidade que sustentava os caçadores profissionais), criaram-se as coutadas oficiais e regulamentou-se  a indústria do turismo cinegético.

Tal como outros caçadores, o José Ruiz abraçou desde logo  a nova actividade, entretanto já iniciada na Província de Manica e Sofala pelo Alberto Araujo (ver Álbum 2). Associou-se ao seu colega Werner Alvensleben  e criaram a “Moçambique Safarilândia”, para exploração da coutada oficial nº 4 situada nas margens do rio Save, província de Inhambane, que lhes fora concessionada. Ali construiram um dos melhores acampamentos de caça  de Moçambique – o Zinave – que ficou célebre pelo tipicismo e comodidade dos seus “bungalows”, destacando-se o destinado a bar e sala de refeições, cuja decoração se relacionava com o ambiente  e com as caçadas. Nas suas altas paredes interiores os visitantes inscreviam os seus nomes, acompanhados de mensagens alusivas à estadia e aos safaris. Hemingway (escritor); Roy Rogers (actor de cinema americano), Onassis (banqueiro grego); Ruark(escritor) e muitas outras figuras de renome mundial que ali fizeram os seus safaris, deixaram inscrições que transformaram este salão num autêntico museu de recordações, onde as emoções das caçadas, os episódios mais pitorescos ou dramáticos, ficaram para a posteridade naquele belo recanto de  África! Infelizmente, durante a guerra civil de 1977 a 1992, este acampamento foi muito danificado e perdeu-se aquela preciosidade histórica!
Pouco tempo depois o José Ruiz desligou-se desta organização, continuada pelo Werner e pelos irmãos Abreu, hoteleiros em Lourenço Marques. Fundou a “Nyalaland Safaris”, estruturada na coutada oficial nº 17,   na margem esquerda do rio Limpopo,  que lhe foi concessionada individualmente (esta foi a última das coutadas criadas em Moçambique e que viria a ser extinta em 1973 devido à criação do Parque Nacional de Banhine, que integrou a parte mais significativa da mesma). Repetiu ali o estilo do acampamento do Zinave e o sucesso dos seus safaris continuou a atrair a atenção de cada vez mais caçadores-turistas vindos  de vários pontos do mundo!

 


Acampamento-base de Chicualacuala, da Coutada 17. Este acampamento foi descrito no livro “Santuário Bravio – Moçambique – Gorongosa – Safaris”, do seguinte modo: “A empresa Nyalaland Safaris, que pertence ao caçador José Ruiz, é concessionária duma coutada lindíssima e enorme que dispõe dum acampamento-base moderno e principesco……”

A capacidade profissional de alguns dos caçadores que, como o José Ruiz,  abraçaram a indústria do turismo cinegético, depressa deu os seus frutos. Passaram a ser conhecidos no mundo da caça e transportaram o nome de Moçambique para a ribalta dos meios da alta finança, que até ali só conhecia o Quénia, a Tanganhica e um ou outro território africano onde há muitos anos eram efectuados os safaris de caça.
O José Ruiz foi dos primeiros portugueses a visitar esse mundo, nomeadamente os Estados Unidos da América, o principal país de origem dos caçadores-turistas. Recebia convites dos seus  clientes,  de agentes e de clubes de caçadores e, invariavelmente, no final de cada época, partia para divulgar a sua organização e a riqueza cinegética de Moçambique, junto das plateias mais exigentes.
Tornou-se muito conhecido e estimado pelos amantes da caça africana que  afluíam à sua bem sucedida organização, graças aos excelentes safaris que lhes proporcionava. O seu prestígio mereceu da mais famosa associação de caçadores a nível mundial, o Shicar Safari Club (U.S.A.),  o convite para fazer parte dos seus membros, limitados ao número máximo de 150 e onde só entravam figuras do mais alto nível social e financeiro ligadas ao meio cinegético.
Até hoje não é conhecido outro português ou moçambicano que tenha sido honrado com semelhante convite!
 

No apogeu da sua carreira, em meados da década de 60, o seu nome aparecia com frequência nas revistas da especialidade, com relatos dos seus feitos como caçador de elefantes e caçador-guia. Um “White Hunter” muito justamente comparado a famosos caçadores  que em épocas anteriores actuaram  nas ex-colónias inglesas de África , nomeadamente os célebres Frederick Selous, John Hunter, Allan Black, Bill Judd, Fritz Schindelar, Leslie Simpson e o fantástico “Karamojo Bell” – o único caçador de elefantes que usava uma arma  ligeira de calibre .256 para abater estes paquidermes!
Poucos foram os caçadores em Moçambique que atingiram este patamar! Até ao início da indústria dos safaris, em 1960, praticamente nenhum dos caçadores profissionais era conhecido fora do território. Contudo, o José Ruiz e cerca de meia dúzia de colegas seus que durante muitos anos se dedicaram à caça como profissão, cometeram tantas ou mais proezas como aqueles célebres caçadores da África anglófona! Estes, porém, beneficiaram da excelente propaganda que desses territórios era feita há muitos anos, na Europa e Américas, sobre a caça  e o turismo  subjacente.   As histórias e os episódios mais sensacionais desses afamados caçadores  apareceram em livros, jornais e revistas de todo o mundo, como heróis das selvas e do sertão africano e alguns deles  participaram em filmes  famosos como “As Neves do Kilimanjaro”, “As Raizes do Céu”, “O Caçador”, “O Colosso”  e tantos outros. Por outro lado, acompanharam figuras do mais alto nível da ciência, da política, da finança e do meio artístico de todo o mundo, cuja repercussão nos respectivos países lhes conferiu grande notoriedade.
Se o José Ruiz e esses seus colegas, cujas proezas ficaram no anonimato, tivessem actuado naqueles territórios, seriam tão notáveis como os Selous, os Hunters, os Blacks, os Bells e outros!

 

O caçador Ruiz (à esquerda) junto de um Eland abatido por um turista na coutada 17

Conheci pessoalmente o José Ruiz apenas no ano de 1969, altura em que as minhas funções  abrangiam o controle do turismo cinegético. Contudo, desde 1954, quando prestei serviço administrativo no Alto Limpopo, que o seu nome e os seus feitos soavam nos meus ouvidos, pelos relatos que me eram feitos das suas actuações como caçador de elefantes. Um sem número de episódios de caça por ele vividos naquela região, na década de 40,  ficaram na memória dos seus habitantes e muitos eram recordados por pessoas que o conheceram e até algumas delas o acompanharam nas caçadas. Contava-se que era o caçador branco mais destemido que conheceram e que era muito amigo das populações, estando sempre pronto para as defender das investidas dos animais daninhos, sobretudo dos elefantes quando invadiam as suas culturas, entregando-lhes depois toda a carne.

A vida dura que levou quando em campanha no mato, durante muitos anos e a privação de muitas coisas essenciais para a manutenção da saúde, desde os géneros de alimentação aos medicamentos, trouxeram-lhe consequências graves. Contraiu uma doença pulmonar que se agravou ao longo dos últimos anos e veio a falecer em 1971, com apenas 50 anos de idade!

A sua morte foi muito sentida na cidade capital onde  nos tempos da sua juventude arrebatava as jovens nas matinés dançantes com a sua classe de dançarino! Era mesmo conhecido como o “rei do tango”!
Deixou três filhos, um deles – o Eduardo Ruiz – continua em Moçambique, ligado ao turismo de praia, explorando o “Complexo das Palmeiras”, na famosa praia do Bilene, a 150 Kms a norte de Maputo.
 

Marrabenta, Maio de 2001
Celestino Gonçalves

Fontes:
- Livros: “O Caçador” de John Hunter; “As Raizes do Céu” de Romain Gary; “ A Vida dos animais selvagens no coração de África”, de Bernhard e Michael Grzimek; “Safari” de Armand Denis; “Santuário Bravio” de José Maria d’Eça de Queiroz.
- Dados biográficos: fornecidos pelo caçador-guia Luis Pedro de Sá e Mello, sobrinho do Afonso Ruiz (Ver Álbum 4);
- Outras informações: colhidas pelo autor junto do caçador, de colegas seus e de naturais do Alto Limpopo.

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