Amadeu Peixe
 
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ÁLBUM DE RECORDAÇÕES

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AMADEU PEIXE

(Caçador-guia e campeão de tiro de stand)


 

Junto de um cambaco (elefante velho), abatido em 1973, na Coutada 16

Nascido em 1935, em Vilanculos, distrito de Inhambane, onde seus pais residiam devido às funções que o chefe de família  - o bem conhecido Júpiter Peixe – ali  exercia como funcionário das Finanças, o Amadeu Peixe foi um dos poucos caçadores-guias moçambicano que, antes de se dedicar a esta delicada profissão, conhecia praticamente todo o território de Moçambique!

As constantes transferências a que os funcionários públicos estavam sujeitos, sobretudo os administrativos e os das finanças, levaram seu pai a residir em várias capitais de distrito, nomeadamente de Inhambane, Cabo Delgado e Niassa.
Na década de quarenta e antes de seguir para o colégio para os estudos secundários (esteve em Tondela – Portugal e no Instituto de Portugal, em Lourenço Marques), a família viveu alguns anos em Vila Cabral (actual Lichinga), a capital do Niassa, o  distrito de menor densidade de população humana do território. Naturalmente era uma região farta de animais selvagens, onde os leões proliferavam por toda a parte e causavam imensas vítimas na população e nos seus gados domésticos!

Foi ali que, aos onze anos, o Amadeu abateu o seu primeiro leão, uma proeza que, até hoje, não conhecemos quem tenha cometido com tão pouca idade!
Após os estudos secundários e como seus pais residiam na cidade de Inhambane, ali obteve o seu primeiro emprego, na Algodoeira do Sul do Save. Nesta actividade percorreu as áreas mais remotas do distrito, ricas em fauna, caçando as mais variadas espécies. Seguiu-se o serviço militar obrigatório, com colocação em Vila Cabral, onde o seu principal passatempo era a caça. Voltou a cometer ali uma nova proeza com leões, abatendo, de uma assentada, 6 destes poderosos felinos, ou seja, todos quantos atacavam um curral de gado bovino na periferia da cidade!
Ingressou depois no funcionalismo público, passando pelo quadro administrativo (Inhambane), serviços de agrimensura (Porto Amélia, actual Pemba – Cabo Delgado) e serviços de finanças (Lourenço Marques).

Conheci o Amadeu precisamente em Inhambane, em 1954 e desde logo ficamos amigos. Fizemos parte de uma equipa de futebol local, ele como guarda-redes.  Só por si, valia meia equipa!
De facto o Amadeu, aos vinte anos, era um atleta fora do vulgar, praticando as mais diversas modalidades em foco na altura, fruto de uma constituição física invejável e de muito treinamento proveniente dos tempos que passou nos colégios!
Nenhum dos companheiros de então se admirou que poucos anos depois ele era considerado dos  melhores guarda-redes da época, ao serviço do seu Benfica de Lourenço Marques! Uma carreira que viria a abandonar, precocemente, devido a uma grave lesão num joelho.

A nossa equipa de futebol, em Inhambane. O Amadeu (guarda-redes), olhava para baixo!

Depois da minha saída de Inhambane, em 1955, voltaríamos a conviver de perto em Porto Amélia (actual Pemba), capital do distrito de Cabo Delgado, norte do território. O Amadeu chegou ali em 1958, como aspirante dos serviços de agrimensura e na altura a sua repartição localizava-se no velho edifício das repartições públicas, paredes meias com a repartição de veterinária, a que eu pertencia desde 1957, já na qualidade de fiscal de caça. Na altura eu acumulava as tarefas de encarregado desta repartição e da fiscalização das actividades de caça ao nível do distrito, dividindo o tempo entre Montepuez  (sede do posto de fiscalização de caça) e Porto Amélia. Por coincidência, os nossos gabinetes davam para o mesmo corredor, a poucos metros de distância.

Naquela região, o Amadeu viria a amadurecer as suas experiências anteriores como caçador, envolvendo-se em caçadas de fim de semana e durante as férias, agora com o propósito de angariar dinheiro, uma prática muito comum na época já que a cidade não tinha fornecimento de carnes de gado doméstico e eram concedidas licenças especiais para a venda de carne de animais bravios.
Em fins de 1960, após ter transitado para os serviços de finanças, com colocação em Lourenço Marques, este candidato a voos mais emotivos, percorria as ruas e avenidas da capital, ao volante de um belo e caro automóvel, (um dos poucos jaguares que circulavam no território), fruto do sucesso financeiro com a caça, lá no norte! Era uma espécie de playboy, nos tempos livres, frequentador das melhores boates, onde patenteava os seus valiosos trunfos:  elegância e trato cativantes, dinheiro no bolso e bom carro.  Predicados que lhe davam a primazia de ser disputado pelo elenco feminino mais chique da capital e que o arrastaram para diferentes aventuras, não o desviando, contudo, da sua grande paixão, a bonita e jovem Ana Maria, que conheceu em Porto Amélia e com quem viria a casar!

Os safaris de caça em Moçambique tinham começado precisamente nesse ano e já eram notícia nos jornais e revistas, com nomes sonantes ligados a esta nova e apaixonante actividade, como o de Rui Quadros, o bem conhecido campeão de tiro de stand.
Ambos naturais de Moçambique, com a mesma idade e vidas paralelas muito idênticas, incluindo vocação nata para a caça, acrescia o facto de serem amigos desde crianças. Brincaram e estudaram juntos e só nos últimos anos não se tinham visto. O seu reencontro, muito festejado por ambos, aconteceu precisamente no stand  de tiro da Matola, num dia em que havia um torneio e logo ali a vida do Amadeu tomou novo rumo: iniciou-se, pela mão do Rui, na prática do tiro de stand e, depois da primeira prova, naturalmente pouco conseguida, ambos foram visitar o director da  Moçambique Safarilândia – o Werner Alvensleben -, a companhia de safaris onde trabalhava este seu amigo e que explorava as coutadas oficiais nºs 4 e 5, na região do rio Save..
O Amadeu Peixe foi logo admitido para fazer parte do quadro dos  caçadores-guias da empresa e a sua actividade teria início em Março do ano seguinte, 1961, após a época de defeso que decorria na altura.

Entretanto, o entusiasmo pelo tiro aos pratos e aos pombos foi tal, que o Amadeu se dedicou de alma e coração a esta actividade, comprando armas adequadas e treinando assiduamente. Depressa se tornou um bem sucedido atirador, agora dividindo os primeiros lugares com o seu mais directo rival, o Rui Quadros, vencendo torneios após torneios,  títulos após títulos, quer em Moçambique, quer nos países vizinhos da África do Sul, Rodésia do Sul (actual Zimbabwe) e Angola. Foi campeão de Moçambique e mais tarde, após residir no Brasil, foi também campeão deste país em todas as modalidades de tiro de stand !

A sua apaixonante vida de caçador consta de um livro de memórias que escreveu e está prestes a ser editado,  onde dá realce à sua acção como  guia de safaris em Moçambique, desde 1961 até 1974. Uma vida plena de emoções, em que acompanhou caçadores turistas de todo o mundo, incluindo figuras de relevo, como o príncipe D. Juan Carlos, actual rei de Espanha, Starvos Niarchos, Franklin Ashely, os famosos caçadores de arco e flecha Fred Bear e Bob Eastman, etc,. As narrativas que ali deixou constituem um valioso documento histórico sobre a caça turística daquela época, em Moçambique e, do ponto de vista descritivo, é um raro documento que rivaliza com o que de melhor existe sobre a caça e a vida dos caçadores em África!


 
  O Amadeu Peixe (ao meio), com o caçador de arco e flecha Fred Bear (direita)

 e o caçador-guia Walter Johnson (esquerda), junto do elefante abatido

pelo famoso archeiro americano, em 1964.

Conhecendo o Amadeu como conheci, não foi surpresa mais esta sua revelação, mas confesso que não contava com tão notável  espírito de observação, revelado nas narrativas das caçadas, sobre a vida nos acampamentos, sobre  as suas aventuras nos mais diversos quadrantes, tudo, enfim, fruto da sua grande paixão e entusiasmo pela profissão que exercia, pelos conhecimentos da vida da selva que desde miudo adquiriu e, sobretudo, à genial sensibilidade em analisar quer os grandes quer os mais insignificantes pormenores, tornando essas narrativas numa apetitosa leitura para os amantes da vida no sertão africano e fãs dos seus intrépidos aventureiros.

Ele e o seu amigo Rui Quadros, formavam uma dupla de guias dos mais conceituados que Moçambique teve e que tornaram a Moçambique Safarilândia  numa das empresas  mais procuradas pelos caçadores estrangeiros. Também a Nyalaland Safaris, que explorava a coutada 16, no Alto Limpopo, onde o Amadeu igualmente actuou, veio a beneficiar com a propaganda resultante do abate de elefantes de grande estatura, por parte de turistas conduzidos por este caçador!


 
Amadeu Peixe e Rui Quadros, a dupla de caçadores guias que tornou a Moçambique Safarilândia

numa das empresas mais procuradas por caçadores estrangeiros!

Para além de ter sido um exímio atirador, o Amadeu Peixe era sobretudo um conhecedor profundo da vida animal, sabendo como reagir perante as reacções e comportamento de cada uma das variadas espécies que eram objecto de caça, ou mesmo as protegidas. Ele dava muita importância não só à caça dos chamados grandes (Leão, Búfalo, Leopardo e Elefante) – quatro dos chamados “big five” – como ao abate dos pequenos antílopes, sobretudo dos mais raros, que implicavam buscas aturadas e muito esforço para conseguir exemplares de interesse cinegético.

 A caça ao leopardo deu-lhe, com justiça, a fama de ser o caçador moçambicano mais eficaz, na condução de safaris para abate desta espécie, considerada a mais difícil devido à sua matreirice. Dava-se ao luxo de garantir aos seus clientes o abate deste felino, cujo troféu, tal como do leão, era dos mais desejados. Ele afirma, no seu livro, que nunca deixou de cumprir tal promessa para com os caçadores turistas que acompanhou!

Depois da caçada, a habitual fotografia com o troféu tão desejado!

Outra virtude que tornou o Amadeu muito requisitado pelos clientes da Moçambique Safarilândia, era a fama que granjeou entre os caçadores de troféus para registo no livro Rowland Ward: avaliava com muita precisão, antes do abate, o tamanho dos respectivos troféus (dentes, cornos e presas), assim como o tamanho dos animais quando o troféu se limitava às peles (leopardos, leões e zebras). Também no seu livro dá exemplos que revelam mais esta sua intuição nata.

Na sua profissão de caçador-guia, cumpria-lhe fiscalizar as actividades de caça na sua área de acção e participar as infracções detectadas. Era também seu dever actuar em defesa das populações rurais, quando os animais danificavam as suas culturas ou eram vítimas de ataques, como muitas vezes sucedia com leões e elefantes, estes últimos quando feridos.
Consta do seu palmarés uma brilhante acção no apoio a essas populações e também no combate aos caçadores furtivos, retirando-lhes muitos milhares de laços de cabos de aço, armados na periferia dos bebedouros e que eram o maior flagelo para a caça, pois não poupavam toda a espécie de animais, desde o mais potente, como o elefante, ao mais pequeno antílope, quer fossem machos ou fêmeas adultos, ou mesmo crias.

Na avaliação que os serviços da fauna bravia fazia anualmente aos caçadores guias e que servia para renovação ou não da sua licença para o ano seguinte, pesava muito o seu comportamento, junto dessas populações. O Amadeu Peixe mereceu sempre nota alta neste domínio e dos seus próprios relatórios, apresentados obrigatoriamente ao fim de cada safari, constavam transcrições das opiniões deixadas pelos turistas, que eram os   mais rasgados elogios ao seu profissionalismo.

Mas o Amadeu Peixe não se contentava apenas com as emoções da caça e do tiro de stand! Ele tinha outra paixão no campo desportivo: a caça submarina, que praticava desde a adolescência e que o consagrou  dos melhores de Moçambique nesta modalidade! Conquistou inúmeros troféus, incluindo o do recorde do xaréu (King Fish), caçado na baía da sua querida Inhambane e fez parte da equipa representativa da colónia em campeonatos internacionais.


 
  Foto do Amadeu Peixe extraída do jornal "Notícias", fazendo referência

à captura do Xaréu (King Fish), na altura record de Moçambique.

Tal como a maioria dos caçadores guias, o Amadeu Peixe deixou Moçambique em 1974, devido às transformações políticas que levaram à independência do território e que paralisaram as actividades de caça. Partiu com a família (mulher e dois filhos) para a África do Sul, onde exerceu a sua profissão em algumas coutadas e reservas e, mais tarde, seguiria para o Brasil, onde definitivamente se instalou e conheceu dias de glória, tanto como desportista, como financeiro.

 Através deste fabuloso meio de comunicação, recentemente, sua filha Michele (1), colocou-nos de novo em contacto e assim foi possível recolher alguns dados e fotos para este Álbum, que muito me apraz inserir nesta página, honrando não só a amizade que nos liga há perto de meio século, como fazendo juz ao mérito deste excelente caçador guia, que acaba de regressar a Moçambique para ali continuar a exercer a sua apaixonante e emotiva profissão.
Felicidades Amadeu!

Marrabenta, Março de 2002

Celestino Gonçalves

(1)- Esta sua descendente, que saiu de Moçambique com apenas seis anos de idade, reside no Brasil e tem uma bonita e bem elaborada Home Page, que recomendamos. Ela é a regra insofismável do aforismo popular: “filho de peixe sabe nadar”! Tal como seu pai, nutre grande paixão pela sua terra natal e pela vida ligada à Natureza. Faz amizades e cultiva o relacionamento com  dedicação e ternura sem limites, tal como seus pais e avós o faziam em Moçambique!
            Está no: www.oocities.org/mididier

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