Victor Cabral
 
Home
Apresentação
Objectivos
Moçambique
Fauna Bravia
Estórias
Crónicas & Narrativas
Álbum Recordações
Figuras
Links
Mapa do Site

 

ÁLBUM DE RECORDAÇÕES

- 8 -

VICTOR CABRAL

(Caçador-guia e promotor de safaris de caça)


 

Junto de um exemplar do antílope mais gracioso da fauna africana

- a Palapala negra (Hippotragus niger) -  

abatido nas “Áreas Livres” de Manica e Sofala

A indústria dos safaris de caça em Moçambique, iniciada em 1960, caracterizou-se por algumas improvisações que se fizeram sentir sobretudo nos primeiros quatro anos de actividades. Surgiram, precisamente por isso, durante esse período,  várias reclamações por parte de alguns caçadores turistas cujos safaris não lhes correram de feição.

 Improvisou-se na forma como foram criadas e demarcadas as dezassete coutadas oficiais do território, já que não foram feitos estudos ecológicos prévios e adequados das respectivas áreas. Os processos de criação basearam-se praticamente nas informações prestadas pelos respectivos requerentes, desconhecedores na altura das reais exigências desta indústria. A maioria das coutadas concessionadas não reuniam condições para proporcionar safaris completos, já que, embora albergassem muitos animais de determinadas espécies, não tinham outras de maior interesse cinegético. Logo, alguns concessionários depressa se sentiram frustrados por não poderem satisfazer os desejos dos seus clientes. As coutadas da região de Marromeu foram exemplo disso: tinham muitos milhares de búfalos e inhacosos, mas pouca variedade de outras espécies e mesmo ausência de algumas das principais.

  Improvisou-se também no licenciamento de alguns caçadores-guias, cuja preparação e conhecimentos de fauna bravia e de artes de caça eram praticamente nulos.

 Depois, salvo honrosas excepções,  a improvisação reinava na própria organização dos safaris: acampamentos pouco confortáveis; falta de pistas de aviação no interior; picadas menos cuidadas; falta de meios de comunicação (rádios emissores-receptores); viaturas em péssimo estado de mecânica; desleixo na preparação dos troféus e seu envio tardio aos clientes; etc,.

A situação era ainda mais grave nos safaris realizados fora das coutadas oficiais, por parte dos chamados “caçadores independentes” que obtiveram licenças para actuar em zonas livres.

Os concessionários das coutadas onde mais se faziam sentir as causas daquelas improvisações, viram reduzir gradualmente o número de clientes e acabaram, ao fim de quatro anos, por ser absorvidos pelo grupo financeiro que os apoiava. Seis das catorze coutadas em exploração (nºs 1, 6, 7, 10, 12 e 15),  foram integradas numa empresa – a Safrique – criada em 1965  pelo Banco Nacional Ultramarino. Esta empresa, que viria tempos depois a absorver  mais 3 coutadas (nºs 9, 13 e 14), introduziu uma  nova dinâmica no turismo cinegético em Moçambique, graças a grandes investimentos e grande rigor na selecção dos seus quadros técnicos e administrativos. Os safaris de caça passaram a ser realizados com grande sucesso e a Safrique tornar-se-ia, rapidamente, na melhor empresa mundial de safaris em África, o que tornou Moçambique muito conhecido no meio cinegético internacional e destino preferido dos caçadores-turistas mais conceituados.

 Alguns caçadores-guias experientes que não se integraram na Safrique, vieram a obter concessões extra coutadas, em Manica e Sofala, designadas por “Áreas Livres”. Nestas áreas, situadas na periferia das coutadas, os safaris conheceram também dias mais felizes já que os respectivos promotores tiveram que respeitar normas idênticas às impostas nas coutadas: acampamentos definitivos devidamente apetrechados, comunicações garantidas, viaturas capazes, pessoal auxiliar capacitado, etc,.

De entre aqueles que passaram a organizar e conduzir safaris de sucesso nas “Áreas Livres”, contava-se o VICTOR CABRAL, o caçador-guia mais novo da época e que tinha já a escola de dois dos mais consagrados caçadores de Moçambique – Alberto Araújo e José Simões – para quem trabalhou naqueles conturbados primeiros anos de improvisações.

Foi precisamente na coutada 1, em 1963, que conheci o Victor, que ali trabalhava para o respectivo concessionário, o pioneiro Alberto Araújo, havia já dois anos. Tinha na altura 20  anos e fora licenciado, portanto, com 18 anos, idade mínima para se obter licença de caça em Moçambique.

As referências que dele ouvi do Alberto Araújo, relativamente aos seus conhecimentos como caçador e à sua capacidade como guia de caça, foram das melhores e só as tomei a sério por serem feitas por este bem conhecido e respeitado caçador. Bem depressa me certifiquei que o Victor era mesmo um profissional competente, não obstante a sua pouca idade e uma certa irreverência em relação à sua maneira de estar nesta profissão.

 Durante vários anos ele demonstrou, na prática, que mereceu a licença de caçador-guia aos 18 anos. Só mais tarde soube das circunstâncias em que lhe foi passada essa licença, um história que ele próprio me confidenciou e que aqui divulgarei pela boca do próprio.

Os safaris  de caça em Moçambique, como aliás todas as actividades no interior do território a norte do rio Save, foram  afectados a partir do início da década de 70 devido ao desenvolvimento da luta armada imposta pela Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique . Alguns acampamentos das coutadas mais a norte do distrito de Manica e Sofala  vieram mesmo a sofrer ataques dos guerrilheiros nacionalistas, o que levou ao cancelamento dos safaris em curso e à debandada dos caçadores-guias  para outros territórios africanos. O Victor foi dos primeiros a partir, em 1972 e, desde então, não mais o vi.

Recentemente, volvidos trinta anos e graças a este milagre da tecnologia que é a Internet, o Victor Cabral “apareceu”, dando largas à sua alegria por encontrar aqui um amigo de velha data preocupado com as coisas da fauna bravia, da caça e dos caçadores daquela época!

Naturalmente que a alegria foi recíproca e desde logo me preocupei trazê-lo a este Álbum, não tanto (mas também) pelo que fez em Moçambique, de onde saiu ainda jovem, mas pela autêntica odisseia que viveu aos longo destes últimos trinta anos, precisamente metade da sua actual idade.

Ele próprio conta a sua história, a partir do México, onde se radicou após deixar os safaris de caça em África, em 1981.

 *     *     *

 Nasci em Mangualde, em 1942, mas desde muito pequeno que fui viver para Angola com meus pais e só dali me ausentei para fazer os estudos liceais em Portugal. Com a transferência de meu pai para Moçambique, este foi o território africano que me conquistou e a caça foi a minha verdadeira paixão. Quando ali ia de férias e graças ao relacionamento que a minha família tinha com algumas pessoas ligadas à caça, nomeadamente os caçadores Alberto Araújo, Francisco Salzone, Amílcar Coelho e o suísso  Guy (conhecido por Guê), as minhas aventuras no mato e na caça depressa e à revelia das leis superaram a já pouca vontade que tinha de  seguir outra carreira que não fosse a de caçador profissional.  Aos 16 anos abati o meu primeiro leão (por sinal uma leoa) e aos 17 o primeiro elefante!

“Aos 16 anos abati o meu primeiro leão (por sinal uma leoa)....”

  Com 18 anos e já liberto dos estudos, levei à pratica a minha vocação, que desde os 13 anos vinha sendo apadrinhada pelo saudoso e bem conhecido caçador Alberto Novaes de Sousa Araújo, concessionário da Coutada do Sabonete (mais tarde designada de Coutada oficial nº 1), situada junto ao Parque Nacional da Gorongosa e que era um verdadeiro santuário de animais bravios, quer em quantidade quer em variedade de espécies, desde as mais pequenas aos grandes elefantes, búfalos, hipopótamos e rinocerontes negros, passando pelas espécies de apetecidos troféus como eram os leões, leopardos, zebras, bois-cavalos, gondongas e grandes antílopes com destaque para os elandes, cudos, palapalas e inhalas. Nesta coutada, onde praticamente os safaris de caça  tiveram início em Moçambique, o Alberto Araújo utilizou-me como ajudante de um safari oficial, cujo interveniente era o Almirante Sarmento Rodrigues, na altura ministro do Ultramar e mais tarde governador-geral da colónia.  Saí-me tão bem que o senhor Almirante me elogiou e, a pedido do Alberto Araújo, recomendou ao governador da colónia para que me fosse passada a licença de caçador-guia. Conquistei, assim, nesse  ano de 1961, a minha independência!

-          

Em 1963 e 1964, fiz parte da equipa de caçadores-guias que conduziu as caçadas em Kanga N’Thole (Coutada 1),  dos convidados oficiais do governo,  Marqueses de Villaverde (filha e genro do chefe de estado espanhol) e o casal Aznar. Tratou-se de  um acontecimento cinegético que na época foi muito falado na imprensa especializada e cujo sucesso redundou na atracção de muitos turistas caçadores a Moçambique.

Com a Marquesa de Villaverde e Loli Aznar, no Kanga N’Thole,

em 1963. À esquerda está o jornalista Adérito Lopes, que fez a cobertura do safari

para a imprensa portuguesa.

-   Após estes safaris tive uma experiência desagradável  ao serviço da “Simões Safaris” (coutadas 6, 7 e 10), durante uma época, devido à desorganização desta empresa, pelo que regressei ao Alberto Araújo. Pouco tempo depois, em 1965, após a criação da Safrique, aceitei um convite para caçar no Botswana, onde conduzi safaris durante dois anos, nomeadamente nos pântanos de Okavango e deserto de Kalahari . Foi uma experiência interessante, já que tomei contacto com novas regiões de África onde existiam espécies  muito apetecidas devido à sua raridade, tais como roan antílope  (palapala -cinzenta), sitatunga (inhala aquática), red Lechwe, Orix e os grandes leões de juba do Kalahari.

 Em 1967 regressei a Moçambique, agora como promotor e condutor de safaris nas áreas livres de Manica e Sofala. Montei acampamentos na Mazamba, Botão, Macossa e Muira, todos eles rivalizando com os das coutadas da Safrique. Os safaris sucederam-se com enorme êxito, tendo sido muitos os caçadores-turistas que tive o privilégio de acompanhar, alguns deles personalidades de relêvo do mundo da caça, provenientes dos Estados Unidos, Canadá, México, Brasil, Venezuela, França, Suíssa, Itália, Alemanha, etc,. Esta actividade obrigava a uma permanência de 6 meses no mato, sendo 5 meses em actividades cinegéticas. Por outro lado, a promoção dos safaris, junto dos clubes de caçadores e agências internacionais, ocupava-me durante os outros seis meses, viajando por aqueles países.

Com uma cliente,  junto de um elefante abatido

 no Catulene – Moçambique.

Entretanto os nacionalistas moçambicanos que vinham desenvolvendo desde 1964 a luta armada (guerra de guerrilhas) com vista à independência do território, atingiram as zonas de Manica e Sofala e logo os acampamentos turísticos foram alvos de ataques, alguns deles queimados e as equipes de caça emboscadas e alvejadas, com perdas de vidas. Decorria o ano de 1972 e a indústria dos safaris caiu abruptamente, forçando a maioria dos caçadores-guias a deixar Moçambique,  procurando outros países africanos. Eu próprio rumei para Angola, levando viaturas, utensílios e material de campanha, assim como uma equipa de moçambicanos, de etnia chissena..

Com o seu grande amigo e colaborador na organização e condução de safaris,

 o moçambicano Fombe, que o Victor estimou como seu segundo pai!

Fiz os primeiros safaris no deserto de Moçamedes (Iona) e no ano seguinte estabeleci um acordo com o conhecido industrial de safaris de Angola, Hernani Espinha, proprietário da “Angola Safaris”, para actuar na coutada do Macusso, região conhecida por “Terras do fim do mundo”, no sul de Angola, entre os rios Cuito, Cubango e Cuando. Ali construí doze acampamentos, à boa maneira de Moçambique e durante três anos solidifiquei uma empresa de sucesso onde trabalharam outros caçadores-guias de Moçambique, entre eles  o Adelino Serras Pires e seu filho Tin-Tin.

Um belo Leopardo abatido nas “Terras do fim do mundo”- Angola!

-    A guerra em Angola acabaria também por afectar a indústria dos safaris no território e de uma forma tão brutal que só tivemos tempo de escapar através das matas, durante a noite, levando tudo o que pudemos nas viaturas. Atravessamos o deserto do Kalaari, na Namíbia  e chegámos milagrosamente sãos e salvos a Walvis Bay, onde nos recompusemos e preparamos um novo rumo, que seria o Sudão. Repatriamos, entretanto, todo o pessoal moçambicano.

 Alguns meses depois embarcámos as viaturas e material para Mombassa, no Quénia e dali, por terra, viajámos para o Sudão, onde já preparara a minha nova empresa  que começou por se chamar Grupo Moçambicanos Safaris, Lda, mais tarde passaria a designar-se por United Safaris, Lda e acabaria  com o nome de SAFRIC, a sigla de Safaris Africanos, Lda. Neste país congreguei outros colegas moçambicanos e possuíamos excelente material, viaturas adequadas e uma avioneta Piper Aztec, de seis lugares, que eu próprio pilotava e que possibilitou novos e grandes sucessos naquele enorme país africano, a partir do ano de 1976 até 1981, data em que me desliguei e prometi a mim mesmo que deixava os safaris de caça para sempre!

A frota da empresa no Sudão

A experiência de caça e de realização de safaris que adquirira no passado, quer em Moçambique, quer em Botswana, Africa do Sul e Angola, foi o garante dos novos sucessos neste novo país, não obstante enfrentar dificuldades como da língua, dos hábitos e cultura do povo, a adaptação às zonas de caça e ao conhecimento das espécies da fauna bravia, algumas muito diferentes das dos territórios do sul de África. Cacei as espécies mais raras da região, como o Bongo, Yellow back duiker (o maior de África), White eared cob, Lechwe, Sitatunga de floresta, Orix beisa e os grandes elefantes da floresta. Obtive autorizações especiais para caçar no rio Ele e por vezes deslocava-me ao Zaire para caçar elefantes de grande envergadura. No último ano fui às colinas do Mar Vermelho, muito perto da vetusta cidade de Suakin (dizem que foi uma das cidades da rainha do Sabá) e nas montanhas junto a Etiópia cacei o famoso Ibex de Núbia.

O belo, raro e muito desejado Bongo, abatido no Sudão

por um dos clientes do Victor (ambos na foto).

-   Durante os períodos de repouso venatório, a promoção dos safaris implicava viajar pelo mundo, visitando clientes e clubes afamados. Sou membro dos mais consagrados: International Professional Hunters Association, Safari Club International (fundador), Shikari-Safari Club e Gam Coin.  Ainda agora compareço anualmente na convenção do Safari Clube International, em Las Vegas, assim como nas reuniões do Game Coin, em San António, no Texas. Em ambos recebo sempre as maiores provas de estima e de encorajamento para voltar a realizar safaris em África. Encontro sempre ali muito amigos e filhos destes que querem voltar a caçar comigo.

 -   Durante a estadia no Sudão realizei uma travessia transatlantica com a minha avioneta, via rota do Polo, iniciada em Miami e passando por Halifax – Nova Escócia, Goose Bay – Lavrador, Julienabab – Groonelandia, Rikiavik – Icelandia, Glasgow – Escócia, Bordeus – França, Porto, Vizeu, Barcelona, Palermo, Sicília, Iraklion – Creta, Cairo, Khartoum e finalmente Juba – Sudão, onde se situavam os escritórios da nossa empresa. Foi uma viagem inesquecível, com muitas peripécias, que me fizeram sentir o prazer fantástico  pelas aventuras arriscadas,  como são os voos em pequenos aviões nestas difíceis e perigosas travessias.

    -   O meu sucesso pessoal e das empresas a que estive ligado deveu-se muito à minha filosofia de vida, que assentava em encarar e resolver todos os problemas pela via mais fácil e rápida, mesmo que isso implicasse algum desrespeito pelas  leis.  No que respeitava à caça, pensava que os clientes pagavam fortunas para efectuar um safari em África, (cada dia orçava os 1.000 dólares americanos, para uma média de 15 dias por safari, para além das viagens, hotéis, licenças, armas e munições, gorjetas, etc,) para obterem determinados troféus e quantas vezes não o conseguiam se nós, os caçadores-guias, não facilitássemos  o abate dos respectivos animais.  Casos concretos  eram os abates durante a noite, que praticávamos com frequência na caça aos leões e leopardos, uma vez que estas duas espécies, desejadas praticamente por todos os turistas-caçadores,  só se abatiam depois do pôr do Sol, ao candeio,  após um trabalho intenso de atracção com iscos (animais ou restos destes arrastados durante vários quilómetros) a locais de espera previamente organizados. Outra transgressão frequente resultava da prática de caçar perseguindo os animais com as viaturas, em autênticas correrias, disparando de cima dos jeeps e até de tractores anfíbios quando caçávamos búfalos nas planícies e  pântanos de Marromeu. Estas práticas, não muito desportivas, eram aceites com toda a naturalidade pelos mais escrupulosos caçadores-turistas , muitos deles de idade avançada,  que de outra forma mais ortodoxa não conseguiam obter os troféus desejados. Estes métodos, que não eram exclusivos da minha pessoa, só beneficiaram o país e nunca foram causa grave para a preservação das espécies, já que os abates respeitavam sempre os limites autorizados e o Estado recebia as correspondentes taxas.

    -   Nunca me arvorei, como outros o fizeram, de caçador cumpridor das leis, mas sempre tive a consciência de que dei e fiz tudo para que os meus clientes ficassem satisfeitos e levassem as melhores recordações dos safaris. Eles voltavam nos anos seguintes e traziam novos clientes, pelo que os meus calendários eram sempre preenchidos e muitas vezes de um ano para o outro.

     -   Outro aspecto importante que caracterizou a minha vida de caçador profissional e de que muito me orgulho, foi o papel que sempre desempenhei no apoio às populações rurais das zonas onde actuava. Acorri sempre em socorro de pessoas doentes, tratando-as localmente ou transportando-as para os hospitais mais próximos; distribui as carnes dos animais abatidos que não eram consumidas nos nossos acampamentos; dei emprego a muitas centenas de trabalhadores; contribui na melhoria das vias de comunicação de zonas nunca antes atingidas por viaturas e que assim beneficiaram as respectivas populações em termos de assistência sanitária e escoamento dos seus produtos agrícolas, etc, etc,.

-     A vida em África e a profissão que ali abracei e desempenhei com todo o entusiasmo, proporcionaram-me momentos inolvidáveis que terei oportunidade de divulgar em pormenor num livro que já se encontra no prelo. Vivo no México há muitos anos, onde me tornei industrial. Aqui aprendi muito e com o avançar da idade fui-me acomodando aos modos de vida e de trabalho mais pragmáticos, essenciais para se triunfar junto da sociedade de consumo, mais sofisticada que a de África. Contudo, jamais esqueci as grandes caçadas e aventuras e essa vida tranquila que só em África é possível viver. Tenho sempre presente na memória as noites tranquilas e as longas horas à fogueira nos acampamentos de caça, ouvindo histórias e lendas contadas pelos meus colaboradores nativos.

 

“Sonho com frequência estar ali...”

   Sonho com frequência estar ali, na Macossa, na Mazamba, no Catulene e outros locais que frequentei, escutando os leões, as hienas e os chacais, nas noites de luar e logo acordo desiludido por não ter chegado ao fim da caçada imaginária que se desenvolvia durante o sonho. Em momentos de maior lucidez, que me tranquilizam profundamente, vêem-me à memória as palavras bonitas que alguém escreveu sobre a África e sobre a tão querida cidade da Beira, onde me realizei como homem e como caçador:

 África maravilhosa. África cruel e ardente

África misteriosa e feiticeira

Longe de ti, não sou mais que um pequeno

grão de areia no deserto.

 

  Beira, “Pérola do Índico”, como sinto ter-te perdido.

Lembras-te, quando os grandes navios se despediam de ti

soltando um gemido rouco das tuas sirenes?

Estavam a despedir-se, como que chorando por ter que deixar-te.

Estavam já com saudades dos cheiros das jacarandás, das gardénias nos

jardins, do acre cheiro do cravo misturado com café, e das imensas

misturas de incensos que somente tu guardavas nas tuas ruas e

avenidas.

Mas sabes também porque gemiam?

Porque tinham medo de ir-se embora e não voltar...

Marrabenta, Setembro de 2002

Celestino Gonçalves

Home | Francisco Magalhães | Alberto Araújo | Armando Vieira | Luis de Sá e Mello | José Pedro Ruiz | José J. Simões | Amadeu Peixe | Victor Cabral | Celestino Gonçalves | Imagens Históricas | Rui Quadros | Adelino Serra Pires