Harry Manners
 
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ÁLBUM DE RECORDAÇÕES

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HARRY MANNERS

(Caçador Guia e um dos mais famosos caçadores de elefantes de Moçambique)

HARRY MANNERS terá sido o melhor caçador de elefantes de Moçambique de todos os tempos! Muitos observadores assim o afirmaram, mas eu prefiro classificá-lo como um dos melhores. Aliás, é assim que penso em relação a todos os outros dos chamados “grandes” que  conheci pessoalmente ou de quem ouvi falar e, tal como o Harry Manners, foram extraordinários caçadores não só de elefantes como de toda a chamada caça grossa.

 Este princípio de não alinhar na definição de “melhor caçador” assenta no facto de se tratar de um juízo de valor com elevado risco de erro, já que tal designação por norma surge de fama propagada a partir do próprio, de amigos, ou de pessoas que ouvem as histórias por vezes mirabolantes das caçadas quase sempre associadas a actos de valentia ou a grande número de animais abatidos pelo caçador, com destaque para  elefantes, leões e búfalos. Por outro lado, também coloco reticências em certos livros, nomeadamente os de cariz  autobiográfico onde os autores se colocam como arautos da modalidade, menosprezando ou simplesmente esquecendo os outros que fizeram o mesmo ou melhor que eles.

Houve sem dúvida em África caçadores famosos, conhecidos por  “White Hunters”,  muitos deles  biografados em  livros de memórias. Nomes como Frederick Selous, John Hunter, Allan Black, Bill Judd, Fritz Schindelar, Leslie Simpson e Karamojo Bell, são referências lendárias que actuaram em finais do século dezanove e princípio do século vinte nos territórios sob domínio inglês e alemão e cujas histórias continuam a fascinar qualquer pessoa que gosta da caça grossa africana. Em Moçambique houve também nomes que se notabilizaram para além do Harry Manners, como o famoso John Taylor (Pondoro), Gustave Guex, Wally Johonson, Werner Alvensleben,  Pierre Maia, Manuel Nunes, José Afonso Ruiz, Virgílio Garcia, Daniel Roxo, etc.

A actividade de caça em África, como profissão, não era  propriamente  um acto de desporto como muitos pretendiam fazer crer. Era sim um trabalho muito duro e arriscado que não envolvia qualquer tipo de competição. O caçador  actuava  normalmente longe das vistas de outros concorrentes e a sua equipa limitava-se ao pessoal auxiliar (pisteiros e carregadores), pelo que toda a sua actividade raramente era conhecida por estranhos. Em Moçambique – e julgo que no resto do continente africano -  jamais algum caçador, profissional ou amador, foi avaliado através de parâmetros ou escalas de valor apropriados. Quando muito – e  isso era também  uma tarefa nossa, da fiscalização -   ajuizava-se o valor de cada um em função dos resultados das suas campanhas de caça, do respeito que tinham pelas leis da caça,  pela forma como colaboravam na luta contra a caça furtiva e pelo apoio que davam às populações nativas defendendo-as dos animais perigosos ou  daninhos quando  invadiam as suas culturas alimentares ou atacavam as pessoas.

O Harry Manners foi, sem dúvida, um dos caçadores mais conhecidos em Moçambique, durante mais de três décadas (1940/1975) e ninguém duvida  que foi dos mais consagrados que actuou neste país. Foi ele quem abateu, na década de 40, o elefante com as maiores presas registadas no território, com cerca de 80 Kg cada e que são as terceiras maiores a nível mundial.

A  história dessas célebres presas é muito curiosa e teve ao longo de vários anos algumas versões contraditórias depois que foram localizadas na cidade da Beira em 1964. Não havia, na altura, qualquer referência sobre a sua origem, mas porque se tratava de troféus de grandes proporções que excediam todos os que eram conhecidos, os Serviços da Fauna Bravia, através do Dr. Armando Rosinha, então chefe da Repartição de Veterinária de Sofala (Beira), evitaram que o seu destino fosse a exportação para Hong Kong, o caminho de todo o marfim de Moçambique. Do armazém do comerciante Serra Campos, que era fiel depositário das presas por fazerem  parte de um processo de falência que corria no tribunal contra  um outro comerciante (indiano) da Beira, este valioso espólio foi transferido para o Museu da Beira a cargo da Câmara Municipal. Nesse mesmo ano (1964) foram levadas à Exposição Mundial de Caça em Itália onde foram muito admiradas no pavilhão de Moçambique.

Regressadas desta exposição o então director do Parque Nacional da Gorongosa, Dr. Silva e Costa, que fora o responsável da representação moçambicana, obteve a permissão de tais presas ficarem no recém criado Museu do mesmo Parque e ali permaneceram até 1977, altura em que o arquitecto responsável pela decoração do Palácio da Presidência da República (Moçambique  era já independente desde 1975) procurou junto dos Serviços da Fauna (curiosamente chefiados na altura pelo Dr. Armando Rosinha) um par de presas de elefante com dimensões e beleza significativas para serem colocadas em lugar de destaque na residência oficial do presidente Samora Machel. Pela segunda vez o Dr. Rosinha foi protagonista no destino das presas mandando transferi-las  da Gorongosa para Maputo. Chegadas ao Palácio o arquitecto julgou-as incompatíveis com a decoração pretendida devido ao seu grande tamanho, e, de novo, recorreu aos Serviços da Fauna para uma outra alternativa. Solucionado o problema com um par de presas mais adequadas e que já existiam nos Serviços em Maputo, mais uma vez (a terceira) o Dr. Rosinha interveio no destino das grandes presas sugerindo ao presidente Samora Machel que as mesmas fossem entregues ao Museu de História Natural.

A controvérsia sobre a origem destas presas manteve-se até finais dos anos 90, altura em que, pela última vez, o Harry Manners visitou Maputo e confirmou, junto do director do Museu, Dr. Augusto Cabral, que aquelas eram as pontas do elefante que abatera no norte de Moçambique na década de 40 e depois vendera a um comerciante da Beira. Na altura o autor do abate do grande elefante exibiu uma fotografia tirada junto das presas pouco antes da sua venda, ajudando assim à sua identificação e ao desvanecimento das dúvidas que ainda pudessem existir.

Quando visito o Museu de História Natural em Maputo e admiro aqueles dois preciosos troféus, sinto que também eu participei no seu destino pois na altura em que os mesmos foram levados à exposição de Itália, em 1964, encontrava-me a coadjuvar o director do Parque Nacional da Gorongosa e participei na organização e envio dos troféus representativos de Moçambique. Tive a feliz ideia de fazer um seguro especial para as presas de elefante e isso valeu a sua protecção, por parte da seguradora internacional, à chegada, permanência na exposição e reenvio a Moçambique. O Dr. Silva e Costa louvou esta minha iniciativa quando no regresso de Itália me disse que não fora a protecção dada pela seguradora e provavelmente as presas teriam sido roubadas, tal a cobiça de que foram alvo na exposição!

O Harry Manners com o seu amigo e também caçador profissional Werner Alvensleben, junto do célebre elefante abatido em Moçambique na década de 40  e cujas presas, de grandes proporções, foram recuperadas num comerciante da cidade da Beira, na década de 60 e que actualmente se encontram  no Museu de História Natural de Moçambique, em Maputo.

O célebre par de presas de elefante antes da sua saída do Museu do Parque Nacional da Gorongosa em 1977. O seu primeiro destino  foi o Palácio da Presidência em Maputo.

 

Em finais dos anos 90, pouco antes do seu falecimento na África do Sul,  o Harry Manners tirou esta foto em Maputo ao lado de Sérgio Veiga. A foto que ele exibe mostra as célebres presas pouco antes de as ter vendido a um comerciante da Beira, nos anos 40.

O destino final dos preciosos troféus acabou por ser o Museu de História Natural de Moçambique.

O director do Museu,  Dr. Augusto Cabral (à esquerda com o autor nesta foto tirada em Março de 2005), projectou e executou  este belo trabalho de enquadramento na parede frontal de acesso ao primeiro andar do Museu.

 

O Harry Manners era um homem simples e pouco dado a contar histórias que o vangloriassem, como tantos outros caçadores faziam. A sua fama de grande caçador propagou-se por toda a parte onde actuava e eram as próprias populações que divulgavam os seus feitos sobretudo quando a sua acção incidia na eliminação  dos animais que destruíam as culturas alimentares e os que atacavam as próprias pessoas.

Os seus feitos eram também conhecidos através dos seus contemporâneos e  colegas  de profissão, como Werner Alvensleben e José Afonso Ruiz,  outros dos considerados  “grandes” da caça aos elefantes. Ao referirem-se ao Harry o chamavam simplesmente de “mestre”.

Durante os longos anos de vivência no mato,  o Harry Manners granjeou das populações rurais grande admiração e respeito, deixando por toda a parte um rasto de saudade que ainda hoje é reflectido pela voz dos anciãos quando se referem a este caçador branco que muitas vezes acorria em defesa das aldeias  contra as invasões dos elefantes ou ataque de leões.

Conheci este famoso sertanejo durante a sua actividade de caçador guia, na Limpopo Safaris,  em fins dos anos 60. Pude observar que não era um homem feliz nesta actividade de condução de safaris, onde ele e outros antigos caçadores se integraram porque fora abolida, em finais dos anos 50, a caça profissional para negócio de carne e troféus valiosos. O Harry Manners jamais se conformou com esta mudança e nunca se adaptou à nova profissão. Não conseguia disfarçar a sua frustração e por vezes até falhava na cortesia para com os turistas que acompanhava, alguns deles se lamentavam e num ou noutro caso se recusaram a completar os safaris sob sua orientação.

Em 1973, provavelmente já cansado de conduzir safaris, aceitou o cargo de gerente do complexo turístico do Pomene, um empreendimento de praia e pesca na Província de Inhambane pertença do seu amigo Werner e dos manos Abreu proprietários da empresa  Moçambique Safarilândia e dos Hotéis Tivoli e Turismo em Lourenço Marques (hoje Maputo).

 

O Harry Manners (à direita), junto do Dr. Armando Rosinha (centro) e do fiscal de caça António Madureira (esquerda), quando o visitamos em Pomene, em 1973.

 

Tendo regressado ao seu país de origem – África do Sul – depois da independência de Moçambique em 1975,  ali publicou um livro – KAMBAKU –  que é a reposição das suas experiências como caçador profissional. No próprio livro ele não se arroga de melhor nem campeão de qualquer feito. Descreve tudo com a simplicidade e a modéstia que todos lhe reconheciam.

 

Marrabenta, Setembro de 2005

Celestino Gonçalves

 

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