









| |
ÁLBUM DE RECORDAÇÕES
- 14 -
HARRY MANNERS
(Caçador
Guia e um dos mais famosos caçadores de elefantes de Moçambique)

HARRY MANNERS terá sido
o melhor caçador de elefantes de Moçambique de todos os tempos! Muitos
observadores assim o afirmaram, mas eu prefiro classificá-lo como um dos
melhores. Aliás, é assim que penso em relação a todos os outros dos chamados
“grandes” que conheci pessoalmente ou de quem ouvi falar e, tal como o Harry
Manners, foram extraordinários caçadores não só de elefantes como de toda a
chamada caça grossa.
Este princípio de não
alinhar na definição de “melhor caçador” assenta no facto de se tratar de um
juízo de valor com elevado risco de erro, já que tal designação por norma surge
de fama propagada a partir do próprio, de amigos, ou de pessoas que ouvem as
histórias por vezes mirabolantes das caçadas quase sempre associadas a actos de
valentia ou a grande número de animais abatidos pelo caçador, com destaque para
elefantes, leões e búfalos. Por outro lado, também coloco reticências em certos
livros, nomeadamente os de cariz autobiográfico onde os autores se colocam como
arautos da modalidade, menosprezando ou simplesmente esquecendo os outros que
fizeram o mesmo ou melhor que eles.
Houve sem dúvida em
África caçadores famosos, conhecidos por “White Hunters”, muitos deles
biografados em livros de memórias. Nomes como Frederick Selous, John Hunter,
Allan Black, Bill Judd, Fritz Schindelar, Leslie Simpson e Karamojo Bell, são
referências lendárias que actuaram em finais do século dezanove e princípio do
século vinte nos territórios sob domínio inglês e alemão e cujas histórias
continuam a fascinar qualquer pessoa que gosta da caça grossa africana. Em
Moçambique houve também nomes que se notabilizaram para além do Harry Manners,
como o famoso John Taylor (Pondoro), Gustave Guex, Wally Johonson, Werner
Alvensleben, Pierre Maia, Manuel Nunes, José Afonso Ruiz, Virgílio Garcia,
Daniel Roxo, etc.
A actividade de caça em
África, como profissão, não era propriamente um acto de desporto como muitos
pretendiam fazer crer. Era sim um trabalho muito duro e arriscado que não
envolvia qualquer tipo de competição. O caçador actuava normalmente longe das
vistas de outros concorrentes e a sua equipa limitava-se ao pessoal auxiliar (pisteiros
e carregadores), pelo que toda a sua actividade raramente era conhecida por
estranhos. Em Moçambique – e julgo que no resto do continente africano - jamais
algum caçador, profissional ou amador, foi avaliado através de parâmetros ou
escalas de valor apropriados. Quando muito – e isso era também uma tarefa
nossa, da fiscalização - ajuizava-se o valor de cada um em função dos
resultados das suas campanhas de caça, do respeito que tinham pelas leis da
caça, pela forma como colaboravam na luta contra a caça furtiva e pelo apoio
que davam às populações nativas defendendo-as dos animais perigosos ou daninhos
quando invadiam as suas culturas alimentares ou atacavam as pessoas.
O Harry Manners foi, sem
dúvida, um dos caçadores mais conhecidos em Moçambique, durante mais de três
décadas (1940/1975) e ninguém duvida que foi dos mais consagrados que actuou
neste país. Foi ele quem abateu, na década de 40, o elefante com as maiores
presas registadas no território, com cerca de 80 Kg cada e que são as terceiras
maiores a nível mundial.
A história dessas
célebres presas é muito curiosa e teve ao longo de vários anos algumas versões
contraditórias depois que foram localizadas na cidade da Beira em 1964. Não
havia, na altura, qualquer referência sobre a sua origem, mas porque se tratava
de troféus de grandes proporções que excediam todos os que eram conhecidos, os
Serviços da Fauna Bravia, através do Dr. Armando Rosinha, então chefe da
Repartição de Veterinária de Sofala (Beira), evitaram que o seu destino fosse a
exportação para Hong Kong, o caminho de todo o marfim de Moçambique. Do armazém
do comerciante Serra Campos, que era fiel depositário das presas por fazerem
parte de um processo de falência que corria no tribunal contra um outro
comerciante (indiano) da Beira, este valioso espólio foi transferido para o
Museu da Beira a cargo da Câmara Municipal. Nesse mesmo ano (1964) foram levadas
à Exposição Mundial de Caça em Itália onde foram muito admiradas no pavilhão de
Moçambique.
Regressadas desta
exposição o então director do Parque Nacional da Gorongosa, Dr. Silva e Costa,
que fora o responsável da representação moçambicana, obteve a permissão de tais
presas ficarem no recém criado Museu do mesmo Parque e ali permaneceram até
1977, altura em que o arquitecto responsável pela decoração do Palácio da
Presidência da República (Moçambique era já independente desde 1975) procurou
junto dos Serviços da Fauna (curiosamente chefiados na altura pelo Dr. Armando
Rosinha) um par de presas de elefante com dimensões e beleza significativas para
serem colocadas em lugar de destaque na residência oficial do presidente Samora
Machel. Pela segunda vez o Dr. Rosinha foi protagonista no destino das presas
mandando transferi-las da Gorongosa para Maputo. Chegadas ao Palácio o
arquitecto julgou-as incompatíveis com a decoração pretendida devido ao seu
grande tamanho, e, de novo, recorreu aos Serviços da Fauna para uma outra
alternativa. Solucionado o problema com um par de presas mais adequadas e que já
existiam nos Serviços em Maputo, mais uma vez (a terceira) o Dr. Rosinha
interveio no destino das grandes presas sugerindo ao presidente Samora Machel
que as mesmas fossem entregues ao Museu de História Natural.
A controvérsia sobre a
origem destas presas manteve-se até finais dos anos 90, altura em que, pela
última vez, o Harry Manners visitou Maputo e confirmou, junto do director do
Museu, Dr. Augusto Cabral, que aquelas eram as pontas do elefante que abatera no
norte de Moçambique na década de 40 e depois vendera a um comerciante da Beira.
Na altura o autor do abate do grande elefante exibiu uma fotografia tirada junto
das presas pouco antes da sua venda, ajudando assim à sua identificação e ao
desvanecimento das dúvidas que ainda pudessem existir.
Quando visito o Museu de História Natural
em Maputo e admiro aqueles dois preciosos troféus, sinto que também eu
participei no seu destino pois na altura em que os mesmos foram levados à
exposição de Itália, em 1964, encontrava-me a coadjuvar o director do Parque
Nacional da Gorongosa e participei na organização e envio dos troféus
representativos de Moçambique. Tive a feliz ideia de fazer um seguro especial
para as presas de elefante e isso valeu a sua protecção, por parte da seguradora
internacional, à chegada, permanência na exposição e reenvio a Moçambique. O Dr.
Silva e Costa louvou esta minha iniciativa quando no regresso de Itália me disse
que não fora a protecção dada pela seguradora e provavelmente as presas teriam
sido roubadas, tal a cobiça de que foram alvo na exposição!

O
Harry Manners com o seu amigo e também caçador profissional Werner Alvensleben,
junto do célebre elefante abatido em Moçambique na década de 40 e cujas presas,
de grandes proporções, foram recuperadas num comerciante da cidade da Beira, na
década de 60 e que actualmente se encontram no Museu de História Natural de
Moçambique, em Maputo.

O célebre par de presas de
elefante antes da sua saída do Museu do Parque Nacional da Gorongosa em 1977. O
seu primeiro destino foi o Palácio da Presidência em Maputo.

Em finais dos anos 90,
pouco antes do seu falecimento na África do Sul, o Harry Manners tirou esta
foto em Maputo ao lado de Sérgio Veiga. A foto que ele exibe mostra as célebres
presas pouco antes de as ter vendido a um comerciante da Beira, nos anos 40.

O destino final dos
preciosos troféus acabou por ser o Museu de História Natural de Moçambique.
O director do Museu, Dr.
Augusto Cabral (à esquerda com o autor nesta foto tirada em Março de 2005),
projectou e executou este belo trabalho de enquadramento na parede frontal de
acesso ao primeiro andar do Museu.
O Harry Manners era um
homem simples e pouco dado a contar histórias que o vangloriassem, como tantos
outros caçadores faziam. A sua fama de grande caçador propagou-se por toda a
parte onde actuava e eram as próprias populações que divulgavam os seus feitos
sobretudo quando a sua acção incidia na eliminação dos animais que destruíam as
culturas alimentares e os que atacavam as próprias pessoas.
Os seus feitos eram
também conhecidos através dos seus contemporâneos e colegas de profissão, como
Werner Alvensleben e José Afonso Ruiz, outros dos considerados “grandes” da
caça aos elefantes. Ao referirem-se ao Harry o chamavam simplesmente de
“mestre”.
Durante os longos anos
de vivência no mato, o Harry Manners granjeou das populações rurais grande
admiração e respeito, deixando por toda a parte um rasto de saudade que ainda
hoje é reflectido pela voz dos anciãos quando se referem a este caçador branco
que muitas vezes acorria em defesa das aldeias contra as invasões dos elefantes
ou ataque de leões.
Conheci este famoso
sertanejo durante a sua actividade de caçador guia, na Limpopo Safaris, em fins
dos anos 60. Pude observar que não era um homem feliz nesta actividade de
condução de safaris, onde ele e outros antigos caçadores se integraram porque
fora abolida, em finais dos anos 50, a caça profissional para negócio de carne e
troféus valiosos. O Harry Manners jamais se conformou com esta mudança e nunca
se adaptou à nova profissão. Não conseguia disfarçar a sua frustração e por
vezes até falhava na cortesia para com os turistas que acompanhava, alguns deles
se lamentavam e num ou noutro caso se recusaram a completar os safaris sob sua
orientação.
Em 1973, provavelmente já cansado de
conduzir safaris, aceitou o cargo de gerente do complexo turístico do Pomene, um
empreendimento de praia e pesca na Província de Inhambane pertença do seu amigo
Werner e dos manos Abreu proprietários da empresa Moçambique Safarilândia e dos
Hotéis Tivoli e Turismo em Lourenço Marques (hoje Maputo).

O Harry Manners (à direita),
junto do Dr. Armando Rosinha (centro) e do fiscal de caça António Madureira
(esquerda), quando o visitamos em Pomene, em 1973.
Tendo regressado ao seu
país de origem – África do Sul – depois da independência de Moçambique em 1975,
ali publicou um livro – KAMBAKU – que é a reposição das suas experiências como
caçador profissional. No próprio livro ele não se arroga de melhor nem campeão
de qualquer feito. Descreve tudo com a simplicidade e a modéstia que todos lhe
reconheciam.
Marrabenta, Setembro de 2005
Celestino Gonçalves

|