ÁLBUM DE RECORDAÇÕES
- 15 -
MANOEL POSSER DE ANDRADE
(Caçador
Guia)

Manoel James de Arriaga Posser de Andrade, um português descendente de
famílias nobres e donas de um dos maiores latifúndios do país (Herdade de
Palma), foi um dos pioneiros da caça turística em Moçambique na qualidade de
caçador guia ao serviço da empresa Moçambique Safarilândia,
concessionária das coutadas oficiais 4 e 5, situadas numa vasta região
atravessada por um dos grandes rios do país – o Save.
Conheci este alto,
louro e atlético nobre português (designação referida no livro Baron in
África que retrata o seu colega Werner von Alvensleben), no Parque Nacional
da Gorongosa, em 1964, quando ali esteve com outros caçadores guias para
participarem, com os fiscais e guardas do mesmo Parque, na segurança ao
Presidente da República Américo Tomaz e sua comitiva, durante a visita que foi a
última de um Chefe de Estado português à colónia de Moçambique. Posteriormente,
durante as minhas deslocações de trabalho às referidas coutadas, tive alguns
encontros com este caçador, de quem conservo viva na memória a sua imagem e a
sua delicadeza de trato. Dava a impressão ser uma pessoa de outra região do
globo que estava ali não no exercício de uma profissão, mas como turista a
curtir férias e a viver as emoções das caçadas. Tudo neste
homem era diferente dos seus colegas, fruto naturalmente das suas origens e de
um passado moldado em ambientes faustosos . Esta postura não lhe trazia qualquer
desvantagem, antes pelo contrário, pois era muito estimado tanto pelos turistas
que acompanhava, como pelos colegas e pelos trabalhadores nativos da organização
que invariavelmente o apelidavam de grande senhor, de excelente colega e de
gentleman. Para os turistas caçadores ele era o anfitrião encantador que,
para além dos resultados dos safaris, tinha o privilégio de saber preencher os
tempos livres contando histórias apropriadas ao ambiente africano que viviam.
O Posser de Andrade,
como era tratado, ostentava um currículo invejável como caçador, nomeadamente
em Angola, Quénia e Moçambique. Aos 23 anos ele iniciou os seus contactos com o
continente africano encetando uma viagem de carro em companhia de quatro amigos,
também eles ciosos de aventuras e de emoções fortes. Atravessaram o deserto do
Sahará, desde Marrocos até ao Congo, numa viagem muito atribulada que durou seis
meses. Os companheiros regressaram mas ele seguiu sozinho rumo à costa Leste
acabando por se fixar no Quénia, território onde viria a encontrar excelentes
condições para caçar.
Na condição de turista,
fidalgo e endinheirado, fez safaris sobre safaris, convivendo ali com figuras
célebres do mundo da caça e da indústria dos safaris, uma vez que o Quénia era
já, na época, o principal território do continente africano onde se praticava o
turismo cinegético em larga escala.
De caçador turista,
acabou por se envolver numa carreira com que sempre sonhara: a de caçador
profissional em África.
Foi precisamente como
caçador guia que Posser de Andrade se manteve naquele território sob colonização
inglesa, por alguns anos, adquirindo não só uma larga experiência nesta
actividade como granjeou imensas amizades personalizadas por figuras que mais
tarde foram caçar com ele a Moçambique. O célebre Barão de Blissen, figura
preponderante do filme África Minha, foi um dos seus grandes amigos!
Depois do Quénia, Posser
de Andrade seguiu para Moçambique para uma breve visita à Beira e sobretudo à
Companhia Açucareira do Búzi, um potentado agrícola fundado muitos anos antes
por seu avô Guilherme de Arriaga. Decorria o ano de 1940, altura em que
praticamente todo o interior de Moçambique era fértil em animais selvagens. A
região do Búzi, de planícies imensas e vastas savanas, era um dos grandes
bastiões de fauna, desde o mais pequeno antílope ao elefante, daí ter atraído o
nosso viajante que ali passou alguns meses a caçar antes de regressar a
Portugal.
Já casado, voltaria
pouco tempo depois à Beira, onde nasceu o primeiro dos seus cinco filhos. Embora
ligado à empresa fundada por seu avô, a caça continuou a ser a sua principal
ocupação.
Regressado de novo a
Portugal, Posser de Andrade tenta adaptar-se ao modo de vida europeu e passa por
vários e bons empregos graças não só à sua excelente preparação académica e aos
vastos conhecimentos linguísticos (frequentou os melhores colégios suíços,
franceses e portugueses) como à posição social herdada de uma família nobre e
abastada. Viveu aqui o tempo que levou a família a atingir o máximo do seu
agregado, depois do que as saudades de África e a paixão pela caça falaram mais
alto ao seu coração e o levaram de novo a partir, no início da década de 60.
Angola foi agora o primeiro reduto que
Posser de Andrade escolheu, atraído às lendárias Terras do Fim do Mundo, famosas
pela sua fabulosa fauna bravia, criando ali uma empresa de safaris com o apoio
de Manuel Ferreira de Lima e Jimmy Carvalho e Silva.

Em Angola - 1960
Mas não se demorou muito
por aquelas afamadas terras angolanas pois Moçambique atraí-o de novo.
Iniciara-se ali muito a sério, no início daquela década, a promissora indústria
dos safaris de caça e nela estava envolvido o seu grande amigo e também famoso
caçador, Werner Alvensleben, associado aos irmãos Abreu (Jorge e Mário),
fundadores da referida empresa Moçambique Safarilândia.
É nas margens do grande
rio Save, nas duas das melhores coutadas do território, em ambiente de
extraordinária beleza paisagística, com acampamentos de sonho e rodeado de
milhares e milhares de animais selvagens das mais variadas espécies (estimativas
da época indicavam cerca de 1,5 milhões de cabeças) que Posser de Andrade, a
rondar os 47 anos, reinicia uma actividade que sendo apoiada na sua vasta
experiência do Quénia, Angola e Rodésia (actual Zimbabwe), muito contribuiria
nos anos seguintes para o sucesso da empresa, cotada internacionalmente neste
ramo como das melhores ao nível de África.
Quando chegou à
Safarilândia encontrou, para além do Werner (que sendo director também
conduzia safaris esporadicamente), mais três outros velhos amigos e
experimentados caçadores, George Dedeck, Wally Johnson e Harry Manners, bem
como os novatos Rui Quadros e Amadeu Peixe, que mais tarde se tornariam dos
melhores caçadores guias de Moçambique. Outros guias se juntaram posteriormente
a esta fabulosa equipa e de todos ouvi sempre referências elogiosas a respeito
do Posser, genericamente tratado por grande senhor, por gentleman, e
outros epítetos associados às pessoas de eleição.
Figuras mundialmente conhecidas, como o
Príncipe Juan Carlos (actual rei de Espanha), Giscard d’Estaing, (ex-presidente
francês), Rod Taylor, Hearst (da Times), Malon, Dupont, Heinz (o senhor dos
molhos), Niarchos (armador grego), Conde Cinzano, Robert Ruack (escritor
americano) e Nordoff (fundador da Volkswagen), entre outros, foram alguns dos
muitos clientes do fidalgo e carismático caçador Manoel Posser de Andrade.

Manoel Posser de Andrade
(esquerda) com o Príncipe Juan Carlos nas Coutadas do Save em 1962
Do artigo com o título
“Grandes Caçadores – ‘Gentlemanoel’ Posser de Andrade”, publicado na revista
portuguesa “Calibre 12” nº 33, de Julho 2003, cuja cópia me foi gentilmente
enviada pelo seu filho Salvador Posser de Andrade e de onde extraí os dados
biográficos aqui inseridos, transcreve-se a seguinte passagem que reforça a
ideia que temos deste lendário português que trocou o seu bem estar na Europa
por uma vida menos cómoda mas cheia de aventuras em África:
"Manoel Posser de Andrade, descrito por aqueles que com ele privaram como um
gentleman, excepcional anfitrião e contador de histórias sempre com um sorriso,
uma anedota para contar à volta de uma fogueira no mato depois de um banho
retemperador em que se apresentava impecavelmente vestido, com boas roupas
velhas, camisola Pringle de caxemira a que os anos acrescentavam patine, cabelo
louro penteado e um ar simplesmente senhorial elogiando os atributos do seu
cliente caçador em detrimento dos seus." (fim de
citação)
O artigo acima referido
acaba com estas significativas palavras:
"Gentle…manoel
Posser de Andrade, um dos últimos grandes caçadores africanos portugueses e
seguramente o menos conhecido!" (fim de
citação)
Mas não se esgotam no
artigo citado as referências ao Manoel Posser de Andrade. Vive actualmente nos
Estados Unidos da América uma das pessoas que conheceu e conviveu muito de perto
com o “Gentlemanoel”. Trata-se do João Abreu, filho do Jorge Abreu que era um
dos donos e fundador da Moçambique Safarilândia. O João, que na época era
um jovem estudante que ia passar as suas férias no acampamento de Zinave, tinha
em todos os caçadores guias um amigo especial que o acarinhavam e levavam às
caçadas. Dois deles eram mesmo muito especiais – o Werner von Alvensleben e o
Manoel Posser de Andrade. Sabendo disso e valendo-me da amizade que partilho com
o João, pedi-lhe que me ajudasse a falar destes dois carismáticos homens da
selva. O que ele disse sobre o Manoel:
"Manoel Posser de Andrade, O gentleman no
mato Africano!
Conheci o Manoel caçando em Moçambique
nos anos sessenta e setenta.
Ele não só era um Caçador , mas tambem
um anfitrião!
Ele morava no Zinave o Acampamento
(Pousada) base da Moçambique Safarilandia , na margem Sul do Rio Save. Hoje o
Parque Nacional do Zinave.
O seu dia começava ás cinco da manhã
tomando café com os clientes depois de se ter assegurado que o equipamento
estava em ordem!
Jeep, armas (específicas para a caça
do dia). Sempre levava uma 375 e dependendo do animal levava uma 500 ou uma arma
"leve", munições e mantimentos.
Antes do nascer do Sol já Manoel
estava nas picadas em busca do troféu almejado por seu cliente.
Esse troféu podia ir desde um Javali
até um Elefante!
Básicamente existiam dois tipos de
clientes: O Caçador cliente e o Cliente caçador.
O Caçador cliente era o colega de amor
pela Fauna Africana que estava em Africa em busca de uma presa definida, ou para
bater algum record mundial ou para completar a sua colecção.
Aqui a conversa era específica e
objectiva!
Onde vamos hoje? Tentar localizar o
animal visto e perseguido anteriormente? Ou procurar numa nova região uma presa
dentro do objectivo do Cliente? Este cliente sabia o que queria , como queria e
o que tinha que fazer para o obter. Para este cliente Manuel era um colega
melhor conhecedor do terreno, um apoio e um gestor de logística.
Manoel conhecia a região como a palma
das suas mãos ele sabia se havia e onde havia animais recordes! Ele, assim como
os colegas os tinham poupado para Clientes á altura.
Isso, aparentemente fácil, mas numa
área maior que a Suiça e com uma população só de antílopes superior a 1,5
milhões de cabeças não era simples.
As horas passavam e os dois Caçador
profissional e Caçador amador conversavam sobre a sua paixão comum: Caça e
Fauna! A conversa era em voz baixa, com paixão mas nunca perdendo a concentração
na busca.
Por vezes se passavam horas, dias, se
localizava dezenas de outros animais da mesma raça pretendidos, mas não do porte
desejado e se preservava em troca da possibilidade de encontrar o almejado
troféu. Conforme as horas passavam e a tensão crescia o Manoel Caçador
profissional começava discretamente a liderar a caça....A estimular o cliente, a
manter o seu moral alto.
O dia continuava e o Sol começava a
descer dependendo do estado de espírito do cliente Manoel decidia caçar um
antílope para: 1- Alimentar a população local; 2- Relaxar a tensão!
Com um prémio de consolação se
regressava ao acampamento para um banho , jantar e conversa sobre...Caça!
Antes, durante e depois do jantar se
passavam momentos tão importantes como os passados no Jeep.
Manoel, já banhado e com o seu cabelo
loiro ondulado impecavelmente penteado ! Vestido com caxemira "pringle"
gerenciava subtilmente o ego deflacionado ou excessivamente inflacionado ( caso
o dia tivesse sido bom) do seu cliente.
Se a conversa aquecia, com a sua
habitual educação desviava a conversa para os seus tempos de estudante na Suiça
ou para algum lugar do mundo onde ele sabia que o cliente mais "animado" tinha
visitado e com isso gerenciava os animos e garantia o sucesso do Safari.
Nesta classificação
de cliente se encontrava Robert Ruack o escritor Americano!
"A Safarilandia construíu para ele uma
Pousada específica, que se veio a chamar "Ruack Camp" pois chegou a passar mais
de 4 meses por ano escrevendo os seus livros.
Lá escreveu "Something of Value" e "
Uhuru".
O Robert Ruack tinha uma fixação por
Javalis. Ele assim como Nordoff ( o fundador da Volkswagen, tb cliente) queriam
e eram os recordistas mundiais de Javali Africano.
Assim como eles nesta categoria foram
G. Destaing ( Presidente Frances), Niarchos, e entre os famosos não caçadores:
Juan Carlos da Espanha, Mallon,
Dupont, Heinz, Rod Taylor, Hearst ( LA Times), Conde Cinzano,etc.
Com o cliente não caçador o dia de
Manoel era muito diferente!
Ele era o caçador!
O Profissional!
O Professor!
O Psicólogo e o amigo.
Com este cliente Manoel começava o dia
ensinando o que iriam caçar.
Os hábitos dessa espécie, onde
alvejar, como, quando e que tamanho. As diferenças entre os sexos ( nunca se
caçava uma femea).
Este cliente queria ter o prazer de
caçar. Este prazer lhe seria dado mas sem ele saber estava ajudando no
equilibrio ecológico da região pois sem o conhecimento do cliente Manoel tinha
sido informado pela equipe de pesquizadores ( apróximadamente 20) residentes
que espécie e que região estava com excesso ou com falta de certo tipo de animal
Estes pesquizadores eram candidatos a
PhD pelas melhores Universidades de Zootecnia do mundo e em convénio com a
direção da Safarilandia em troca da sua estadia nas coutadas nos davam o apoio
científico de controle da Fauna baseado na equação: Animais/ Agua/ Alimentaçao.
Através do controle dessa equação este
tipo de cliente subsidiava sem saber o controle da Fauna Africana sendo a sua
caça controladora e não predadora.
Este cliente geralmente fazia ( sem
saber) a sua caça ou pouco antes do almoço ou logo após.O resto do dia era
passado muito discretamente ensinando este ser humano a respeitar o meio
ambiente e a se sentir realisado o fazendo!
O fim de tarde e o Jantar era um
evento social onde Manoel "o Gentleman", o Anfitrião, sobressaía!
Para este cliente e com este cliente
ele contava histórias de outras caçadas e de gente famosa que tinham caçado com
ele ou na Safarilandia.
Ele os fazia sentir como heróis
vivendo o que provavelmente seria a memória mais forte de suas vidas.
Estes serões e de sua habilidade e
savoir faire social
realmente dependia o sucesso deste tipo de safari.
Nele Manoel, o Gentleman, animava as
noites africanas!" (fim de citação)
A época dourada dos
safaris em Moçambique acabaria em 1974 devido à transformação política
ocorrida e que levou o território à independência absoluta em 1975. Assim, os
caçadores guias na sua quase totalidade debandaram outros países africanos,
tendo o Posser de Andrade regressado a Portugal onde viveu alguns anos,
fixando-se mais tarde e por motivos familiares em Cork, na Irlanda, onde faleceu
em 1999, com 84 anos.
AGRADECIMENTOS
- Ao Salvador Posser de Andrade, filho do caçador,
pela cedência dos dados biográficos e fotografias.
- Ao João Abreu, filho de um dos fundadores da empresa
Moçambique Safarilândia, pela aproximação ao filho do Manoel
Posser de Andrade e pela excelente narrativa que acima reproduzimos.
Marrabenta, Janeiro de 2006
Celestino Gonçalves

|